Do motu proprio "Doctoris Angelici" de São Pio X:

"Nenhum Concílio celebrado posteriormente à santa morte deste Doutor, deixou de utilizar sua doutrina. A experiência de tantos séculos põe de manifesto a verdade do que afirmava Nosso Predecessor João XXII: «(Santo Tomás) deu mais luz à Igreja que todos os demais Doutores: com seus livros um homem aproveita mais em um ano, que com a doutrina dos outros em toda sua vida» "(Alocução no Consistório, 1318.)

DA "LECTURA SUPER MATTHAEUM" DE SANTO DE TOMÁS DE AQUINO:

Comentando sobre a Grande Aflição que haverá no mundo durante o período em que a "Abominação da Desolação" estiver ocupando o Lugar Santo, escreve o Angélico:

"Em seguida, haverá uma grande tribulação, porque o ensino cristão será pervertido por um falso ensino. E se esses dias não tivessem sido abreviados, ou seja, através do ensino da doutrina, da verdadeira doutrina, ninguém poderia ser salvo, o que significa que todos seriam convertidos à falsa doutrina."
[Comentário de Santo Tomás de Aquino ao Evangelho de São Mateus - Cap.24,22 - notas de Pierre d'Andria (1256-1259),(630 pags.) Tradução ao francês por Professor Jacques Ménard e Madame Dominique Pillet (2005).]

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

QUEM É, OU QUEM SERÁ O ANTICRISTO?

Muito já foi dito sobre a vinda do Anticristo. Alguns disseram bem, outros disseram a seu bel-prazer tudo aquilo que de sua imaginação puderam subtrair. Esses últimos, no entanto enganaram-se a si mesmos. Não tenho aqui, nem a boa intenção dos primeiros, nem a pretensão enganosa dos segundos. Irei refletir alguns pontos que considero de importância relevante que encontrei num comentário do maior doutor dos santos: Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico. O texto foi extraído do site oficial da Congregação Vaticano para o Clero: http://www.clerus.org/ em sua versão espanhola.
É o Comentário da Santo Tomás de Aquino à segunda epístola de São Paulo aos Tessalonicenses.
A tradução é de minha autoria, sendo que já peço desculpas por possíveis erros.

1) Comentando sobre II Tes cap. 2, no versículo 4, onde diz o Apóstolo:

(...) o qual se oporá (a Deus), e se elevará sobre tudo o que se chama Deus, ou que é adorado, de sorte que se sentará no templo de Deus, apresentando-se como se fosse Deus. (...) (cf. Vulgata - tradução Pe. Matos Soares)

Santo Tomás diz:
(...) Sinal de sua culpa é o que diz: "até chegar a por seu assento no templo de Deus"; pois a soberba do Anticristo avantaja em muito a de todos os que lhe precederam. Porque assim como se lê de Caio César que quis em vida pusessem em todos os templos uma estátua sua e lhe dessem culto; e do rei de Tiro se diz em Ezequiel 28: "eu sou Deus"; assim é crível o faça o Anticristo chamando-se Deus e homem; e na prova disso se sentará no templo. Mas em que templo?
Acaso não foi destruído pelos Romanos? Por isso dizem alguns que o Anticristo é da tribo de Dan, que não se nomeia entre as outras doze (Ap 7,5); e por isso também os Judeus o receberam primeiro, e reedificaram o templo em Jerusalém, e assim se cumprirá o de Daniel 9,27: "e estará no templo a abominação da desolação" (Mt 24,15). Mas alguns dizem que nunca será reedificada Jerusalém, nem o templo, senão que durará a desolação até a consumação no fim do mundo. Crença que admitem também alguns Judeus; por isso a explicação que dão de "no templo de Deus" a referem à Igreja, porque muitos eclesiásticos o receberão (quia multi de Ecclesia eum recipient). Ou, segundo Santo Agostinho, se sentará no templo de Deus, isto é, exercerá seu principado e senhorio, como se fosse ele mesmo com os seus o templo de Deus, como Cristo o é com os seus. (...)

Referindo-se aqui ao Anticristo se assentar no templo de Deus, o que poderíamos compreender?
Ele (o anticristo) se sentará no templo de Deus? Mas se “no templo de Deus” referem-se à Igreja (segundo Sto. Tomás), então ele se sentará na Igreja de Deus!
Em seguida se diz que “muitos eclesiásticos o receberão”? O que se quer dizer com “o receberão”? Não seria o mesmo que dizer que os eclesiásticos lhe darão franquia?
E Santo Agostinho diz que ele exercerá o Principado e Senhorio de Deus, como se fosse ele mesmo como seus (comparsas) o próprio templo de Deus (a Igreja), do mesmo modo que Cristo com os fiéis católicos em estado de graça são também templos de Deus.

Concluindo, então o que pensar?


1) O Anticristo se sentará na Igreja de Deus.
2) Muitos eclesiásticos o receberão.
3) Sentado na Igreja de Deus, exercerá o Principado e Senhorio do mesmo Deus.
4) Como se fosse ele mesmo (o anticristo) com os seus, a Igreja de Deus. Veja bem que St. Agostinho diz “como se fosse”, ou seja, não diz que é a Igreja Católica. Talvez insinuando a presença de uma igreja falsificada.

Na conclusão, não caímos no erro protestante de afirmar que o Anticristo seria o Papa Católico, Sucessor de Pedro. O Anticristo poderia até estar assentado no trono de Pedro, mas nunca poderia ser um legítimo Papa. Pois nenhum legítimo Papa poderia ser um herege público como é o Anticristo. Tenhamos fé que se realmente o Anticristo chegasse a por seu assento na Igreja de Deus, ele nunca seria um legítimo e verdadeiro Papa.

2) Comentando sobre II Tes cap. 2, no versículo 8, onde diz o Apóstolo:

(...) E então se manifestará esse iníquo a quem o Senhor Jesus matará com o sôpro de sua boca, e destruirá com o resplendor de sua vinda; (...) (cf. Vulgata - tradução Pe. Matos Soares)

Santo Tomás diz:
Ao dizer logo: "e então se deixará ver", põe-se a chegada do iníquo e sua pena; primeiro sua manifestação, logo sua pena. Quanto ao primeiro diz: aquele, o único, iníquo, perverso, se deixará ver, porque sua culpa se fará patente, "a quem o Senhor Jesus matará com o alento de sua boca". - "O zelo do Senhor dos exércitos é o que fará estas coisas" (Is 9,7), isto é, o zelo da justiça, que é amor; porque o espírito de Cristo é o amor de Cristo, e este zelo é o que o Espírito Santo tem para com a Igreja. Ou com o alento de sua boca, isto é, por ordem dela; porque São Miguel lhe dará morte no Monte das Oliveiras, de onde Cristo subiu aos céus. De sorte parecida encontrou seu fim Juliano, o Apóstata, executado por mão divina. E esta é a pena presente, embora também será castigado com a eterna, porque "o destruirá com o resplendor de sua presença", isto é, com sua chegada que tudo o porá como um sol (1Co 4). E o destruirá, digo, com a eterna condenação (Sl. 27). Diz também resplendor, porque o Anticristo pareceu encher de trevas a Igreja, e as trevas são desterradas pelos resplendores; porque tudo o que o Anticristo dará a conhecer será demonstrado haver sido mentira. (Et dicit, illustratione, quia ipse visus est Ecclesiam obtenebrare, et tenebrae expelluntur illustratione, quia quicquid Antichristus ostenderit, ostendetur fuisse mendacium.) trad.: mendacium = mentira, invenção, disfarce.


O que podemos compreender sobre o fato do “Anticristo parecer encher de trevas a Igreja”? Como “encher de trevas”, podemos entender: encher de sombras; de obscuridade; de escuridão; de fumaça, pois a fumaça dificulta a visibilidade.
O Anticristo não somente lançaria pouca escuridão na Igreja, mas a encheria desta escuridão. Dando-se a entender que haveria trevas em muita quantidade.
Logo em seguida, comenta-se que o resplendor de Cristo mostrará que “tudo o que o anticristo dará a conhecer será demonstrado haver sido mentira”. O que entender disto?
O Anticristo dará a conhecer ou ensinará muitas mentiras em oposição à doutrina de Cristo confiada unicamente à sua Igreja.

Concluindo, então o que pensar?

1) Da primeira análise, o anticristo estaria no lugar do Papa.
2) O anticristo encheria a Igreja de trevas.
3) Ensinará mentiras, ou seja, falsas doutrinas.

Hoje em dia devido ao ativismo que nos escraviza, deixamos muitas vezes de refletir sobre aquilo que é essencial, para nos dedicarmos ao supérfluo. Somos relaxados e preferimos não nos comprometermos com tarefas árduas. Mas a nossa salvação não pode ser deixada para depois, já que ninguém sabe a hora que virá o Vinhateiro.
O que posso dizer é que hoje nos são oferecidos vários caminhos: Modernismo, Tradicionalismo, Sedevacantismo, etc. Não devemos nos rotular, dizendo: eu sou isso ou aquilo. Devemos ser somente Católicos Apostólicos Romanos.
Deus nos deu a razão, a inteligência e a vontade para que pudéssemos aprender aquilo que Ele mesmo nos revelou através de sua Igreja. Que possamos então refletir, estudar e entender tudo o que Ela nos ensina. Perceber se o Anticristo já está ou ainda não está visível ao mundo é tarefa muito difícil. É somente estudando que poderemos perceber se a doutrina de Cristo permanece à mesma confiada aos Apóstolos e aos Papas. É somente quando esta doutrina imutável tornar-se mutável que constataremos a presença do Anticristo, pois ele ensinará falsas doutrinas em oposição à verdadeira.
Na conclusão final prefiro que cada um siga àquilo que ensina a Igreja Romana, pois ela é o Fundamento e Sustentáculo da Verdade, que é Cristo Senhor Nosso.

Em Cristo, na Igreja.
Rodrigo.
Um artigo mais bem elaborado sobre o assunto pode ser acessado em:

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A APOSTASIA DOS ÚLTIMOS TEMPOS

Santo Tomás de Aquino, comentando 2Tessalonicenses 2,3, explica como será a Apostasia dos últimos tempos:

“Estabelece logo a verdade, ao dizer: "porque não virá este dia sem que primeiro haja acontecido a apostasia"; e mostra primeiro o que acontecerá à vinda Anticristo, que são duas coisas: uma anterior à sua vinda; outra, a sua mesma vinda. Primeiro está a apostasia, que a Glosa explica de muitas maneiras, e primeiro da fé, que, segundo estava anunciado (Mt 24), todo mundo a receberia. Esta é, pois o sinal precursor, que -segundo Santo Agostinho- ainda não se cumpre; depois dela haverá muitos apóstatas (1Tm 4) "e pela inundação dos vícios se resfriará a caridade de muitos" (Mt 24,12).
Ou entende-se a apostasia ou separação do Império Romano, ao que todo o mundo estava submetido. Segundo Santo Agostinho, figura sua era a estátua de Daniel, em cujo capítulo 2 se nomeiam 4 reinos, os quais terminariam no acontecimento da vinda de Cristo; e que isto era um sinal a propósito, porque a firmeza e estabilidade do Império Romano estava ordenada a que, debaixo de sua sombra e senhorio se ensinasse por todo o mundo a fé cristã. Mas como pode ser isto, sendo já passados muitos séculos desde que os Gentios se apartaram do Império Romano e, isso não obstante, não havia vindo ainda o Anticristo? Digamos que o Império Romano ainda segue em pé, mas mudada sua condição de temporal em espiritual, como disse o Papa São Leão em um sermão sobre os Apóstolos. Por conseguinte, a separação do Império Romano há de entender-se, não só na ordem temporal, senão também na espiritual, e a saber, da fé católica da Igreja Romana. E isto é um sinal muito a propósito, porque, assim como Cristo veio quando o Império Romano senhoreava sobre todas as nações, assim pelo contrário o sinal do Anticristo é a separação dele ou apostasia.”

(http://www.clerus.org/bibliaclerus/index_esp.html - Traduzido por Rodrigo Santana)


O que vivemos hoje? Não seria uma total separação do Império Romano Espiritual, ou seja, da Fé Católica da Igreja Romana?

O que diríamos ainda das proporções alcançadas por essa apostasia. Estaria ela somente fora da Igreja Romana?
Quantos católicos hoje comungam nas missas usando métodos contraceptivos sem ninguém os ensine que isto é pecado. Porventura isso deixou de ser pecado?

Quantos católicos comungam em pecado mortal nas missas sem que ninguém os ensine que o pecado mortal tira-lhes a vida da alma, e que por isso ao comungarem cometem sacrilégio. Perdeu-se a noção do pecado?

Quantos católicos aceitam todas as outras religiões como se na verdade todas fossem boas e que por isso relativizam sua fé, colocando ainda a fé católica em pé de igualdade com todas as outras. A Igreja Católica não é a única fundada por Cristo?

É importante notar que esta apostasia se desenvolve de modo crescente e até já entrou no seio da Igreja, diz o Papa São Pio X: “E o que exige que sem demora falemos, é antes de tudo que os fautores do erro já não devem ser procurados entre inimigos declarados; mas, o que é muito para sentir e recear, se ocultam no próprio seio da Igreja, tornando-se destarte tanto mais nocivos quanto menos percebidos.” - Encíclica Pascendi – nº2

Se esta apostasia é crescente, ou seja, segue na direção de ser maior a cada tempo, como hoje ela poderia ser menor que no tempo de São Pio X? Pois quanto mais perto estamos da vinda do Anticristo, tanto maior se torna a apostasia. Se no tempo de São Pio X os apóstatas já estavam dentro da Igreja, quanto mais hoje!

Como não perceber a crise na fé! Como negar que isto seja verdade? Como fazer de conta que tudo anda as mil maravilhas!
É inevitável, pois o Anticristo só virá depois da apostasia da fé. Ele virá quando o Império Romano Espiritual deixar de senhorear sobre os povos.
Como negar então um declínio da atuação da Igreja sobre a vida dos povos!
Não estou dizendo de modo nenhum que as portas do Inferno poderão prevalecer sobre a Igreja Católica. Pois Cristo nos prometeu o contrário.
Mas estou dizendo que o povo abandonará a fé Católica. Esta fé recebida de Cristo e transmitida pelos apóstolos permanece intacta, guardada pela Igreja, única depositária da Verdade. Firmeno-nos nos dogmas, nos cânones, nas definições dos concílios, nas doutrinas perenes confirmadas e reconfirmadas pelos Pontífices Romanos, enfim, em tudo que está ligado nos céus pelas chaves que foram dadas a Pedro.
Estudemos a fé católica, desde os Apóstolos, deste os Santos Padres, desde os Santos Doutores. Que possamos confrontar os documentos novos com os antigos, perceber se o novo é igual ao antigo, pois Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

LIVRO DIGITAL SOBRE O DOM DE LÍNGUAS



Neste dia 03 de setembro - Festa de São Gregório Magno - o site Veritatis Splendor dispõe ao público uma importante obra sobre o extraordinário Dom de Línguas.

Acesse e peça o seu exemplar : descubra toda a verdade sobre este tema de difícil compreensão para a grande maioria dos católicos, inclusive para os próprios membros da RCC.


Acesse: www.veritatis.com.br/ebooks/domlinguas.pdf

quarta-feira, 23 de julho de 2008

"Caricaturas" do Estado de Graça

Assim como temos várias caricaturas da verdadeira Igreja de Cristo, hoje em dia temos várias “caricaturas” da verdadeira condição para salvação de nossa alma. O Concílio de Trento (totalmente válido e infalível até hoje) definiu como condição indispensável para a salvação da alma, o crente estar em estado de graça. Muitos católicos perderam o valor ou não aprenderam o que realmente se dá com aquele que está em estado de graça: é aquele que tem a vida divina, que participa da natureza divina, habitado pela Santíssima Trindade, que é templo do Espírito Santo.

O demônio, muito astuto, quer que não percebamos o valor do estado de graça e de sua conservação para a vida da alma, por isso coloca nos corações dos homens outras doutrinas diferentes e destruidoras, que tem por objetivo fazer as pessoas perderem a noção da conservação da vida da graça para a salvação da alma.

A maior luta do demônio é para que percamos a noção do que é o estado de graça, bem como de sua necessidade. Pois aquele que perde esta noção fica mais vulnerável à sua ação tentadora, deixa de velar para que este estado seja conservado, deixa de evitar o pecado, pois pensa que Deus perdoa seus pecados apenas pelo fato de pedirmos isto a Ele em nossas súplicas. É claro, que se Ele assim o quisesse poderia nos perdoar desta forma, e de maneira extraordinária (fora do normal) pode até o fazer em alguns casos onde a pessoa esteja de boa fé. Mas se fosse esta a Sua vontade, não haveria necessidade de Jesus instituir o sacramento da Confissão, que é a forma ordinária (via normal) que Ele instituiu para este fim.
Aquele que perde o sentido do estado de graça perde também o verdadeiro valor do sacramento da Confissão, que foi instituído por Cristo justamente para perdoar os pecados mortais cometidos após o batismo e com isto restaurar o perdido estado de graça. Pois, estar em estado de graça é estar isento de pecado mortal. Sendo assim o demônio inventa nos corações dos homens “caricaturas” ou “distorções” do estado de graça para nos enganar e fazer que sejamos condenados ao inferno.

Podemos dizer que esta é a grande luta deste nosso tempo: lutar contra a “falsificação” do estado de graça.

O mesmo podemos dizer da “oração em línguas”, que é em certo sentido uma “caricatura” ridícula e muito bem falsificada daquilo que São Paulo escreve na sua Carta aos Coríntios, onde ele explica o que é realmente o dom de línguas.
Este tipo de caricatura, derivada daquela principal que destrói o estado de graça, colabora para que a principal seja promovida. Mas de que maneira?
Suponhamos o exemplo de uma seita que destituída da sucessão Apostólica, e com isso dos Santos Sacramentos, bem como da Sagrada Tradição e do Sagrado Magistério. Com estas premissas já concluímos que ela já não possa existir. Mas considerando o que acontece na prática: a seita existe. Como fica destituída dos sacramentos, e com isso de sinais sensíveis que comunicam a graça invisível (insensível), necessita então de criar algo de sensível para “caricaturar” os sacramentos, e assim oferecer em suas reuniões heréticas.
Apela então para o emocionalismo e sentimentalismo. Substituindo o estado de graça, que é algo de sobrenatural e por isso não experimentado (CIC 2005) pelos sentidos do homem, por algo natural como o emocionalismo, a seita introduz na consciência do crente que este sentiu a Deus, e se baseia neste sentimento para deduzir que Deus habita em sua alma (Sendo que na verdade não podemos sentir nossa própria alma). Concluindo então que na referida seita a presença de Deus na alma é baseada através dos sentimentos, deduzimos que a oração em línguas deve ser também algo de sensível para reforçar aquilo que concluem sobre a mesma presença de Deus. A oração em línguas então serve para confirmar aquela “presença sentimental” de Deus em suas almas. Daí dizerem que “oram em espírito”, ou seja, se estão orando em espírito, deduzem que é sinal de que o Espírito Santo está habitando neles. Sendo que na verdade qualquer pessoa, até mesmo um ateu, se exercitado para “orar em línguas” da maneira deles o conseguiria facilmente. Aquilo que chamam de “dom de línguas” não é nada mais que um som produzido pela vibração contínua das cordas vocais onde estas tremem e produzem o som. Não é um dom, é apenas aptidão, basta que a pessoa seja treinada para fazer este som que ela o produzirá sem menores dificuldades.

Uma verdadeira “perda de tempo”, onde as pessoas, muitas vezes sem conhecimento e sem ajuda de ninguém, são enganadas e levadas a pensar que agindo através de um puro sentimentalismo, poderão receber os mesmos méritos que receberiam se orassem pedindo a Deus as graças necessárias à sua salvação. Mas é também verdade que Deus conhece a intenção do coração destas pessoas, e de acordo com aquilo que Ele vê nestes corações: pureza ou maldade - pode conceder até mais méritos do que para aqueles que oram corretamente, mas possuem “corações de pedra”.
De qualquer forma, a verdade é que perdem tempo e deixam de pedir aquilo que serviria para a salvação da alma, ou seja, a graça santificante. Este é um meio que o demônio se utiliza para desviar os corações do verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo confiado à sua Igreja.

Voltando ao assunto principal, independentemente da intenção das pessoas, essa “caricatura” do “dom das línguas” faz com que seja promovida a falsificação do estado de graça e consequentemente de toda a doutrina da Igreja Católica.

Que aqueles que são responsáveis pela difusão da verdade dentro da nossa Santa Igreja Católica possam perceber a importância do ensino correto das verdades da nossa fé.

Peçamos a Virgem Imaculada, Maria Santíssima, que nos livre a todos e ao nosso povo deste ensinamento de todo contrário à verdade de Nosso Senhor Jesus Cristo.


Viva o Papa Bento XVI !!!

terça-feira, 17 de junho de 2008

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Para onde vai nossa sociedade civil?

Temos hoje uma verdadeira “salada” de seitas atuando livremente na sociedade, e com pleno direito dado pelo Estado. Dado este direito fica claro que o Estado relativiza a religião. Fatalidade nefasta!
O que sobrará da sociedade?
A sociedade civil pode dar reconhecimento à prática de qualquer religião publicamente? Ou, seria somente por tolerância.
O papa Leão XIII nos responde:


CARTA ENCÍCLICA

SAPIENTIAE CHRISTIANAE

DO SUMO PONTÍFICE
LEÃO XIII
SOBRE
OS DEVERES FUNDAMENTAIS
DOS CIDADÃOS CRISTÃOS


1. Restaurar os princípios da sabedoria cristã e conformar plenamente com eles a vida, os costumes e as instituições dos povos, é uma necessidade que cada dia se torna mais evidente. Da desestima deles derivou tão caudalosa enchente de males, que nenhum homem de são juízo pode tolerar o estado presente sem ansioso cuidado, nem alargar os olhos sem receio do futuro.
2. Tem-se feito, é verdade, não medíocre progresso nas comodidades corporais e extrínsecas; mas toda essa natureza sensível, a abundância de meios, as forças e as riquezas, se podem gerar comodidades e aumentar a serenidade da vida, não poderão nunca satisfazer a nossa alma, criada para coisas mais altas e com mais gloriosos destinos. Olhar a Deus e encaminhar-se para ele, tal é a lei suprema da vida do homem, o qual, criado como foi à sua imagem e semelhança, é impulsionado com toda a força de sua mesma natureza a gozar do seu Criador. Todavia, esse caminhar para Deus não é obra de movimentos ou esforços corporais, mas atos próprios da alma, que são: conhecimento e amor. Deus é a primeira e suprema verdade, e da verdade não vive senão a inteligência. Deus é a santidade perfeita e o sumo bem, e a este só a vontade pode aspirar e chegar eficazmente por meio da virtude.

Fim último da sociedade

3. Ora, o que se diz dos indivíduos, também se aplica à sociedade doméstica e à civil. Efetivamente, se a própria natureza instituiu a sociedade, não foi para que o homem a seguisse como a seu último fim, mas para que nela e por ela achasse meios eficazes que o auxiliassem no aperfeiçoamento de si mesmo. Logo, se houver sociedade que não procure senão as vantagens externas, vida cômoda e delicada, se tiver por praxe pôr a Deus de lado na administração da coisa pública e descurar as leis morais, desvia-se perfidamente do seu fim e das prescrições da natureza e, mais que sociedade e comunidade de homens, é uma imitação enganosa e um vão simulacro da verdadeira sociedade.
4. Ora, esses bens da alma, que acima dissemos, os quais não se encontram senão na verdadeira religião e na prática perseverante dos preceitos cristãos, vemos que se escurecem cada vez mais entre os homens ou de esquecidos, ou de enfastiados, e parece em certo modo que, quanto mais adianta o progresso no tocante ao corpo, maior se torna a decadência dos bens da alma. E não são pequena prova da diminuição e enfraquecimento da fé cristã as injúrias que com tanta freqüência, à luz do dia e aos olhos do mundo inteiros, se estão fazendo à religião, injúrias que numa época zelosa da religião de forma alguma teria tolerado.
5. Por isso mal se pode calcular quão grande multidão de homens se encontra em risco de perdição eterna; e não só os homens, mas também as mesmas sociedades e Estados não poderão conservar-se largo tempo incólumes, porque com a ruína das instituições e dos costumes cristãos, arruinados ficam sem remédio os mais sólidos fundamentos da sociedade humana. Resta a força material para manter a ordem e tranqüilidade pública; mas essa força bem fraca é, quando não se apóia na religião, tornando-se mais apta a criar escravidão do que obediência; traz em si mesma os germes de grandes perturbações. Assaz catástrofes nos apresentou já o século em que vamos, e quem sabe as que estão ainda por vir!

Magistério da Igreja

6. Por conseguinte o mesmo tempo em que vivemos, incita-nos a procurar o remédio onde ele se encontra, isto é, a restabelecer, na vida particular e em todas as partes do organismo social, os princípios e práticas do cristianismo, que é o único meio capaz de exterminar os males que nos vexam e de prevenir os perigos que nos ameaçam. A isso, veneráveis irmãos, devemos atender, nisso com todo o empenho e esforço trabalhar. Por essa razão, embora nós tenhamos já tratado essas matérias em outras circunstâncias, segundo se nos oferecia ensejo, parece-nos todavia útil expor com mais desenvolvimento nesta carta os deveres dos católicos; deveres, cujo cumprimento exato contribuirá admiravelmente para se salvar a sociedade. Vivemos numa quadra de luta desesperada e quase cotidiana sobre matérias de máximo interesse, na qual de maravilha se não deixarão alguma vez embair uns, desencaminhar outros e esmorecer muitos. E daí, veneráveis irmãos, o nosso dever de advertir, ensinar e exortar a todos os fiéis, como requerem os tempos “para que ninguém abandone o caminho da verdade”.
7. Está fora de toda a dúvida que na prática da vida mais e mais graves obrigações acorrem aos católicos do que aos homens pouco penetrados da nossa fé ou totalmente desprovidos dela. Quando Jesus Cristo, consumada a redenção do gênero humano, mandou os apóstolos que fossem pregar o Evangelho a toda a criatura, impôs logo a todos os homens a obrigação de escutar e crer o que lhes fosse ensinado, obrigação à qual vinculou indispensavelmente a salvação eterna: “o que crer e for batizado, será salvo; o que, porém, não crer será condenado” (Mc 16,16). Mas, uma vez que o homem abraçou, como devia, a fé cristã, fica por esse fato sujeito à Igreja, como seu filho, e torna-se membro da mais vasta e mais santa sociedade, a qual o Pontífice Romano governa com missão expressa e autoridade suprema, debaixo de sua cabeça invisível, que é nosso Senhor Jesus Cristo.
8. Ora, se a lei natural nos manda amar com predileção extremosa e defender a terra em que nascemos e os criamos, de modo que todo o bom cidadão esteja pronto a arrostar até a morte pela sua pátria, com muito maior razão devem os cristãos animar-se de iguais sentimentos a respeito da Igreja, que é a cidade santa do Deus vivo, obra imediata de Deus e por ele mesmo organizada, a qual anda, sim, peregrinando nesta terra, mas é a que chama os homens e os instrui e encaminha à eterna bem-aventurança. Amemos, pois, e muito a nossa pátria terrena que nos deu a vida mortal: mas amemos ainda mais a Igreja à qual somos devedores da vida imortal da alma, porque é justo preferir aos bens da alma aos do corpo, e os deveres para com Deus têm um caráter mais sagrado que os deveres para com os homens.

9. De resto, se bem ponderarmos, o amor sobrenatural da Igreja, e o amor da pátria são dois afetos que procedem do mesmo princípio eterno, de ambos é o mesmo Deus autor e causa, e por isso nunca poderá um ir de encontro ao outro. Sim, nós podemos e devemos por um lado amar-nos a nós mesmos, querer o bem ao próximo, amar a coisa pública e a autoridade que a governa, e por outro lado e ao mesmo tempo venerar a Igreja como a Mãe, e amar a Deus com o maior amor que nos caiba no coração.





segunda-feira, 19 de maio de 2008

Condenação do Papa Leão XIII: Americanismo ou Carismatismo?

Hoje muitos afirmam um novo influxo do Espírito Santo na Igreja.
Denominam esta heresia com o nome de “Batismo no Espírito Santo”.
Incrível é, que nesses dois mil anos, desde a fundação da Igreja Católica, nunca se ouviu falar, dentro da doutrina Católica, em tal “batismo”, seria então a mesma condenação feita por Leão XIII, no ano de 1.889, mas valendo também para os dias de hoje?
Porventura Deus nos daria um Novo Pentecostes?
A resposta é negativa. Mas não é minha, mas do Papa Leão XIII.
Trecho da Carta do
Sumo Pontífice
Papa Leão XIII
Testem benevolentiae
ao cardeal Gibbons
(22.1.1889) ASS 31
Condenação do Americanismo

Do erro em acomodar os dogmas à mentalidade moderna

Dz 1967 (3340)
Este é o fundamento em que geralmente se baseiam as novas doutrinas de que estamos falando: para mais facilmente atrair à Fé católica os dissidentes, deve a Igreja aproximar-se um pouco mais da cultura de um mundo já adulto e, atenuando o antigo rigor, condescender com os gostos e princípios modernamente introduzidos entre os povos. E pensam muitos que isto deve ser entendido não só quanto à norma de vida, mas também no que se refere às doutrinas que expõem o Depósito da Fé. De fato, afirmam que, para atrair a vontade dos dissidentes, seja oportuno omitir certos pontos de doutrina, como se fossem de menor importância, ou mitigá-los de tal modo que não conservem o mesmo sentido que a Igreja constantemente manteve. Mas não é preciso um longo discurso para ver com que propósito condenável foi arquitetada semelhante idéia. Basta recordar a natureza e a origem da doutrina ensinada pela Igreja. A propósito diz o Concílio Vaticano [I]: “E jamais deve [alguém] afastar-se (...)” (Dz 3020)

Dz 1968 (3341)
Mas a história de todo o passado [da Igreja] é testemunha de que esta Sé Apostólica, à qual foi confiado não só o Magistério, mas também o Governo supremo de toda a Igreja, constantemente se manteve “no mesmo dogma, no mesmo sentido, no mesmo modo de entender”; mas quanto à norma de vida, sua atitude foi sempre a de conduzir as coisas de tal modo que, mantendo incólumes os direitos de Deus, jamais desatendesse aos costumes e à psicologia dos tão diferentes povos que ela congrega. E quem duvidará de que também agora poderá fazê-lo, se assim o exigir a salvação das almas? Isto, no entanto, não deve ser resolvido ao arbítrio de pessoas particulares, que geralmente se enganam com a aparência de bem, mas é preciso deixá-lo ao juízo da Igreja (...).

Dz 1970 (3342)
Todo o Magistério externo é desprezado como desnecessário, e até como menos útil, por aqueles que se esforçam em alcançar a perfeição cristã: agoradizem eleso Espírito Santo infunde nas almas dos fiéis maiores e mais abundantes carismas que nos tempos passados e os ensina e conduz com um certo misterioso instinto, sem mediação de ninguém (...). Mas se se considerar a fundo a questão, dispensada também qualquer direção externa, não se conseguirá entender, pelo modo de falar desses inovadores, em que consiste esse mais abundante influxo do Espírito Santo que tanto exaltam.


Além do mais, quanto a uma segunda vinda do Espírito Santo o Papa ainda afirma:

10. Posto isso, não é, absolutamente, admissível excogitar-se ou guardar uma segunda, mais ampla e fecunda “aparição ou revelação do Espírito Divino”; a que atualmente se efetua na Igreja é deveras perfeita, e nela permanecerá incessantemente até que a Igreja militante, após o percurso do seu período de lutas, seja transplantada para as alegrias da Igreja triunfante no céu. (Carta Encíclica Divinun Illud Múnus – Sobre a missão do Espírito Santo – Papa Leão XIII)




quarta-feira, 14 de maio de 2008

SOU CATÓLICO?

A INTOLERÂNCIA CATÓLICA


Cardeal Pio

Sermão pregado na Catedral de Chartres (excertos); 1841.

Meus irmãos (...),
Nosso século clama: “tolerância, tolerância”. Tem-se como certo que um padre deve ser tolerante, que a religião deve ser tolerante. Meus irmãos, não há nada que valha mais que a franqueza, e eu aqui estou para vos dizer, sem disfarce, que no mundo inteiro só existe uma sociedade que possui a verdade e que esta sociedade deve ser necessariamente intolerante. Mas antes de entrar no mérito, distinguindo as coisas, convenhamos sobre o sentido das palavras para bem nos entendermos. Assim não nos confundiremos.
A tolerância pode ser civil ou teológica. A primeira não nos diz respeito, e não darei senão uma pequena palavra sobre ela: se a lei tolerante quer dizer que a sociedade permite todas as religiões porque, a seus olhos, elas são todas igualmente boas ou porque as autoridades se consideram incompetentes para tomar partido neste assunto, tal lei é ímpia e atéia. Ela exprime não a tolerância civil como a seguir indicaremos, mas a tolerância dogmática que, por uma neutralidade criminosa, justifica nos indivíduos a mais absoluta indiferença religiosa. Ao contrário, se, reconhecendo que uma só religião é boa, a lei suporta e permite que as demais possam exercer-se por amor à tranqüilidade pública, esta lei poderá ser sábia e necessária se assim o pedirem as circunstâncias, como outros observaram antes de mim (...).
Deixo porém este campo cheio de dificuldades, e volto-me para a questão propriamente religiosa e teológica, em que exponho estes dois princípios: primeiro, a religião que vem do céu é verdade, e é intolerante com relação às doutrinas errôneas; segundo, a religião que vem do céu é caridade, e é cheia de tolerância quanto às pessoas.
Roguemos a Nossa Senhora vir em nossa ajuda e invocar para nós o Espírito de verdade e de caridade: Spiritum veritatis et pacis. Ave Maria.
Faz parte da essência de toda a verdade não tolerar o princípio que a contradiz. A afirmação de uma coisa exclui a negação dessa mesma coisa, assim como a luz exclui as trevas. Onde nada é certo, onde nada é definido, podem-se partilhar os sentimentos, podem variar as opiniões. Compreendo e peço a liberdade de opinião nas coisas duvidosas: in dubiis, libertas. Mas, logo que a verdade se apresenta com as características certas que a distinguem, por isso mesmo que é verdade, ela é positiva, ela é necessária, e por conseguinte ela é una e intolerante: in necessariis, unitas. Condenar a verdade à tolerância é condená-la ao suicídio. A afirmação se aniquila se duvida de si mesma, e ela duvida de si mesma se admite com indiferença que se ponha a seu lado a sua própria negação. Para a verdade, a intolerância é o instinto de conservação, é o exercício legítimo do direito de propriedade. Quando se possui alguma coisa, é preciso defendê-la, sob pena de logo se ver despojado dela.
Assim, meus irmãos, pela própria necessidade das coisas, a intolerância está em toda a parte, porque em toda parte existe o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, a ordem e a desordem. Que há de mais intolerante do que esta proposição: 2 mais 2 fazem 4? Se vierdes dizer-me que 2 mais 2 fazem 3 ou fazem 5, eu vos respondo que 2 mais 2 fazem 4...
Nada é tão exclusivo quanto a unidade. Ora, ouvi a palavra de São Paulo: “Unus Dominus, una fides, unum baptisma”. Há, no céu, um só Senhor: unus Dominus. Esse Deus, cuja unidade é seu grande atributo, deu à terra um só símbolo, uma só doutrina, uma só fé: una fides. E esta fé, esta doutrina, Ele confiou-as a uma só sociedade visível, uma só Igreja cujos filhos são, todos, marcados com o mesmo selo e regenerados pela mesma graça: unum baptisma. Assim, a unidade divina que esplende por todos os séculos na glória de Deus produziu-se sobre a terra pela unidade do dogma evangélico cujo depósito foi confiado por Nosso Senhor Jesus Cristo à unidade hierárquica do sacerdócio: um Deus, uma fé, uma Igreja: unus Dominus, una fides, unum baptisma.
Um pastor inglês teve a coragem de escrever um livro sobre a tolerância de Jesus Cristo, e certo filósofo de Genebra disse, falando do Salvador dos homens: “Não vejo que meu divino Mestre tenha formulado sutilezas sobre o dogma”. Bem verdadeiro, meus irmãos. Jesus Cristo não formulou sutilezas sobre o dogma, mas trouxe aos homens a verdade e disse: se alguém não for batizado na água e no Espírito Santo, se alguém se recusa a comer a minha carne e a beber o meu sangue, não terá parte em meu reino. Confesso que nisso não há sutilezas; há intolerância, há exclusão, a mais positiva, a mais franca. E mais: Jesus Cristo enviou seus Apóstolos para pregar a todas as nações, isto é, derrubar todas as religiões existentes para estabelecer em toda a terra a única religião cristã e substituir todas as crenças dos diferentes povos pela unidade do dogma católico. E, prevendo os movimentos e as divisões que esta doutrina iria incitar sobre a terra, Ele não se deteve e declarou que tinha vindo para trazer não a paz, mas a espada, e para acender a guerra não somente entre os povos, mas no seio de uma mesma família e separar, pelo menos quanto às convicções, a esposa fiel do esposo incrédulo, o genro cristão do sogro idólatra. A afirmação é verdadeira e o filósofo tem razão: Jesus Cristo não formulou sutilezas sobre o dogma (...).
Falam da tolerância dos primeiros séculos, da tolerância dos Apóstolos. Mas isso não é assim, meus irmãos. Ao contrário, o estabelecimento da religião cristã foi, por excelência, uma obra de intolerância religiosa. No momento da pregação dos apóstolos, quase todo o universo praticava essa tolerância dogmática tão louvada. Como todas as religiões eram igualmente falsas e igualmente desarrazoadas, elas não se guerreavam; como todos os deuses valiam a mesma coisa uns para os outros, eram todos demônios, não eram exclusivos, eles se toleravam uns aos outros: Satã não está dividido contra si mesmo. O Império Romano, multiplicando suas conquistas, multiplicava seus deuses, e o estudo de sua mitologia se complica na mesma proporção que o da sua geografia. O triunfador que subia ao Capitólio fazia marchar diante dele os deuses conquistados com mais orgulho ainda do que arrastava atrás de si os reis vencidos. O mais das vezes, em virtude de um Senatus-Consulto, os ídolos dos bárbaros se confundiam desde então com o domínio da pátria, e o Olimpo nacional crescia como o Império.
Quando aparece o Cristianismo (prestem atenção a isso, meus irmãos, são dados históricos de valor com relação ao assunto presente), quando o Cristianismo surge pela primeira vez, não foi repelido imediatamente. O paganismo perguntou-se se, em vez de combater a nova religião, não devia dar-lhe acesso ao seu solo. A Judéia tinha-se tornado uma província romana. Roma, acostumada a receber e conciliar todas as religiões, recebeu a princípio, sem maiores dificuldades, o culto saído da Judéia. Um imperador colocou Jesus Cristo, como a Abraão, entre as divindades de seu oratório, assim como se viu mais tarde outro César propor prestar-lhe homenagens solenes. Mas a palavra do profeta não tardou a se verificar: as multidões de ídolos que viam, de ordinário sem ciúmes, deuses novos e estrangeiros ser colocados ao lado deles, com a chegada do deus dos cristãos, lançam um grito de terror, e, sacudindo sua tranqüila poeira, abalam-se sobre seus altares ameaçados: ecce Dominus ascendit, et commovebuntur simulacra a facie ejus. Roma estava atenta a esse espetáculo. E logo, quando se percebeu que esse Deus novo era irreconciliável inimigo dos outros deuses; quando se viu que os cristãos, cujo culto se havia admitido, não queriam admitir o culto da nação; em uma palavra, quando se constatou o espírito intolerante da fé cristã, foi então que começou a perseguição.
Ouvi como os historiadores do tempo justificam as torturas dos cristãos. Eles não falam mal de sua religião, de seu Deus, de seu Cristo, de suas práticas; só mais tarde é que inventaram calúnias. Eles os censuram somente por não poderem suportar outra religião senão a deles. “Eu não tinha dúvidas”, diz Plínio, o Jovem, “apesar de seu dogma, de que não era preciso punir sua teimosia e sua obstinação inflexível”: pervicaciam et inflexibilem obstinationem. “Não são criminosos”, diz Tácito, “mas são intolerantes, misantropos, inimigos do gênero humano. Há neles uma fé teimosa em seus princípios, e uma fé exclusiva que condena as crenças de todos os povos”: apud ipsos fides obstinata, sed adversus omnes alios hostile odium. Os pagãos diziam geralmente dos cristãos o que Celso disse dos judeus, com os quais foram muito tempo confundidos, porque a doutrina cristã tinha nascido na Judéia. “Que esses homens adiram inviolavelmente às suas leis”, dizia este sofista, “nisto não os censuro; só censuro aqueles que abandonam a religião de seus pais para abraçar uma diferente! Mas, se os judeus ou os cristãos querem só dar ares de uma sabedoria mais sublime que aquela do resto do mundo, eu diria que não se deve crer que eles sejam mais agradáveis a Deus que os outros”.
Assim, meus irmãos, o principal agravo contra os cristãos era a rigidez absoluta do seu símbolo, e, como se dizia, o humor insociável de sua teologia. Se só se tratasse de um Deus mais, não teria havido reclamações; mas era um Deus incompatível, que expulsava todos os outros: aí está o porquê da perseguição. Assim, o estabelecimento da Igreja foi obra de intolerância dogmática. Toda a história da Igreja não é senão a história dessa intolerância. Que são os mártires? Intolerantes em matéria de fé, que preferem os suplícios a professar o erro. Que são os símbolos? São fórmulas de intolerância, que determinam o que é preciso crer e que impõem à razão os mistérios necessários. Que é o Papado? Uma instituição de intolerância doutrinal, que pela unidade hierárquica mantém a unidade de fé. Por que os concílios? Para frear os desvios de pensamentos, condenar as falsas interpretações do dogma, anatematizar as proposições contrárias à fé.
Nós somos então intolerantes, exclusivos em matéria de doutrina; disto fazemos profissão; orgulhamo-nos da nossa intolerância. Se não o fôssemos, não estaríamos com a verdade, pois que a verdade é uma, e conseqüentemente intolerante. Filha do céu, a religião cristã, descendo à terra, apresentou os títulos de sua origem; ofereceu ao exame da razão fatos incontestáveis, e que provam irrefutavelmente sua divindade. Ora, se ela vem de Deus, se Jesus Cristo, seu autor, pode dizer: Eu sou a verdade: Ego sum veritas, é necessário, por uma conseqüência inevitável, que a Igreja Cristã conserve incorruptivelmente esta verdade tal qual a recebeu do céu; é necessário que repila, que exclua tudo o que é contrário a esta verdade, tudo o que possa destruí-la. Recriminar à Igreja Católica sua intolerância dogmática, sua afirmação absoluta em matéria de doutrina, é dirigir-lhe uma recriminação muito honrosa. É recriminar à sentinela ser muito fiel e muito vigilante, é recriminar à esposa ser muito delicada e exclusiva.
Nós ficamos muitas vezes confusos com o que ouvimos dizer sobre todas estas questões até por pessoas sensatas. Falta-lhes a lógica, desde que se trate de religião. É a paixão, é o preconceito que os cega? É um e outro. No fundo, as paixões sabem bem o que querem quando procuram abalar os fundamentos da fé, pondo a religião entre as coisas sem consistência. Elas não ignoram que, demolindo o dogma, preparam para si uma moral fácil. Diz-se com justeza perfeita: é antes o decálogo que o símbolo o que as faz incrédulas. Se todas as religiões podem ser postas num mesmo nível, é que se equivalem todas; se todas são verdadeiras, é porque todas são falsas; se todos os deuses se toleram, é porque não há Deus. E, se se pode aí chegar, já não sobra nenhuma moral incômoda. Quantas consciências estariam tranqüilas no dia em que a Igreja Católica desse o beijo fraternal a todas as seitas suas rivais!
Jean-Jacques [Rousseau] foi entre nós o apologista e o propagador desse sistema de tolerância religiosa. A invenção não lhe pertence, se bem que ele tenha ido mais longe que o paganismo, que nunca chegou a levar a indiferença a tal ponto. Eis, com um curto comentário, o ponto principal desse catecismo, tornado infelizmente popular: todas as religiões são boas. Isto é, de outra forma, todas as religiões são ruins (...).
A filosofia do século XIX se espalha por mil canais por toda a superfície da França. Esta filosofia é chamada eclética, sincrética, e, com uma pequena modificação, é também chamada progressiva. Esse belo sistema consiste em dizer que não existe nada falso; que todas as opiniões e todas as religiões podem conciliar-se; que o erro não é possível ao homem, a menos que ele se despoje da humanidade; que todo o erro dos homens consiste em julgar-se possuidores exclusivos de toda a verdade, quando cada um deles só tem dela um elo e quando, da reunião de todos esses elos, se deve formar a corrente inteira da verdade. Assim, segundo essa inacreditável teoria, não há religiões falsas, mas são todas incompletas umas sem as outras. A verdadeira seria a religião do ecletismo sincrético e progressivo, a qual ajuntaria todas as outras, passadas, presentes e futuras: todas as outras, isto é, a religião natural que reconhece um Deus; o ateísmo, que não conhece nenhum; o panteísmo, que o reconhece em tudo e por tudo; o espiritualismo, que crê na alma, e o materialismo, que só crê na carne, no sangue e nos humores; as sociedades evangélicas, que admitem uma revelação, e o deísmo racionalista, que a rejeita; o Cristianismo, que crê no Messias que veio, e o judaísmo, que o espera ainda; o Catolicismo, que obedece ao Papa, o protestantismo, que olha o Papa como o Anticristo. Tudo isto é conciliável. São diferentes aspectos da verdade. Da união desses cultos resultará um culto mais largo, mais vasto, o grande culto verdadeiramente católico, isto é, universal, pois que abrigará todas as outras no seu seio.
Esta doutrina que qualificais de absurda não é de minha invenção; ela enche milhares de volumes e de publicações recentes; e, sem que seu fundo jamais varie, toma todos os dias novas formas sob a caneta e sobre os lábios dos homens em cujas mãos repousam os destinos da França. — A que ponto de loucura chegamos então? — Chegamos ao ponto a que deve logicamente chegar todo aquele que não admite o princípio incontestável que estabelecemos, a saber: que a verdade é uma, e por conseqüência intolerante, apartada de toda a doutrina que não é a sua. E, para resumir em poucas palavras toda a substância deste meu discurso, eu vos direi: Procurais a verdade sobre a terra? Procurai a Igreja intolerante. Todos os erros podem fazer-se concessões mútuas; eles são parentes próximos, pois que têm um pai comum: vos ex patre diabolo estis. A verdade, filha do céu, é a única que não capitula.
Vós, pois, que quereis julgar esta grande causa, tomai para isto a sabedoria de Salomão. Entre essas diferentes sociedades para as quais a verdade é objeto de litígio, como era aquela criança entre as duas mães, quereis saber a quem adjudicá-la. Pedi que vos dêem uma espada, fingi cortar, e examinai as caras que farão os pretendentes. Haverá vários que se resignarão, que se contentarão da parte que vão ter. Dizei logo: Essas não são as mães! Há uma cara, ao contrário, que se recusará a toda composição, que dirá: a verdade me pertence, e devo conservá-la inteira, jamais tolerarei que seja diminuída, partida. Dizei: Esta aqui é a verdadeira mãe!
Sim, Santa Igreja Católica, Vós tendes a verdade, porque tendes a unidade, e porque sois intolerante; não deixais decompor esta unidade. (negritos meus)
Fonte:
http://www.santotomas.com.br/apologetica/intolerancia.asp

quarta-feira, 2 de abril de 2008

O dom das línguas, segundo Santo Tomás de Aquino

Leia a tradução do Comentário do Santo Doutor Angélico sobre o cap. 14 da Primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios, que tem como referência o tema do Dom de Línguas.

http://veritatis.com.br/antigo/busca.php?consulta=coment%E1rio+de+Santo+Tom%E1s+de+Aquino

segunda-feira, 31 de março de 2008

Encíclica Tametsi Futura

CARTA ENCÍCLICA
DO SUMO PONTÍFICE
LEÃO XIII
TAMETSI FUTURA
SOBRE
JESUS CRISTO REDENTOR


Aos veneráveis irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos,
Bispos e outros Ordinários de lugar em paz e comunhão com a Sé Apostólica.
A autoridade e o poder da Igreja são tão extensos quanto o império do Filho de Deus.

1. Ainda que não seja possível olhar para o futuro com o ânimo livre de apreensão, e que as muitas e inveteradas causas de males, de ordem privada e pública, dêem nem pouco a temer, contudo, por favor divino, parece que estes últimos anos do século tenham emitido algum raio de esperança e de conforto. Porque não se deve acreditar que o cuidado renascente dos interesses da alma não confira ao bem comum o reavivamento da fé e da piedade cristã; e, aparece por sinais bastante claros que tais virtudes vão efetivamente reverdecer e retomar vigor em muitos. Também entre as lisonjas do mundo e não obstante os obstáculos que a piedade encontra à sua volta, por todo lado, eis que, a um só aceno do papa, acorrem de toda parte a Roma, aos túmulos dos santos apóstolos, grandes multidões: cidadãos e estrangeiros unidos cumprem publicamente as práticas religiosas, e confiantes na indulgência oferecida pela Igreja procuram com maior diligência os meios de salvação eterna. E, além disso, não é comovente esta piedade particularmente fervorosa, como todos podem ver, para com o Salvador do gênero humano? Sem dúvida será julgado digno dos melhores tempos cristãos este fervor, que, do nascer ao pôr-do-sol, inflama milhares de almas, em união de vontade e pensamento, a aclamar e exaltar o nome e as glórias de Jesus Cristo. E queira Deus que essas chamas irrompentes de fervor renovado da religião chamejem num vasto incêndio, e que o exemplo edificante de muitos atraia todos os outros. A volta completa da sociedade ao espírito cristão e às antigas virtudes não é talvez a necessidade maior dos tempos modernos? E existem muitos, demasiados, que mantêm os ouvidos fechados e não querem ouvir a admoestação deste despertar religioso. Mas, “se conhecessem o dom de Deus”, se pensassem que não há desgraça maior do que ter abandonado o Salvador do mundo, e ter desviado dos costumes e dos ensinamentos cristãos, com certeza se sacudiriam eles também e se apressariam em voltar sobre seus passos, para evitar uma ruína certa.

2. Pois bem, guardar e dilatar na terra o reino do Filho de Deus, e esforçar-se generosamente para levar a salvação à humanidade mediante a participação aos benefícios divinos, é tarefa da Igreja; tarefa tão grande e própria dela, à qual está ordenada principalmente toda a sua autoridade e o seu poder. Parece-nos ter dedicado até hoje, para tal fim, os maiores cuidados possíveis no árduo e difícil exercício do sumo pontificado; e, quanto a vós, veneráveis irmãos, está certo que nos acompanhem nisso, e de maneira contínua, as solicitudes do vosso zelo vigilante e ativo. Mas, nós e vós, dada a condição dos tempos, devemos esforçar-nos por fazer mais, e especialmente agora que o ano santo nos oferece a oportunidade, por difundir mais amplamente o conhecimento e o amor de Jesus Cristo, ensinando, persuadindo, exortando. Possa a nossa voz se ouvida, não tanto, digamos, pelos que costumam ouvir docilmente os ensinamentos cristãos, mas também os outros, imensamente infelizes, que conservam o nome de cristãos, mas levam uma vida sem fé, sem amor a Jesus Cristo. Nós sentimos compaixão especialmente desses; e de maneira particular quereríamos que refletissem sobre o que fazem, e o que os espera, se não se corrigirem.

3. De nenhuma forma e nunca ter conhecido Jesus Cristo é grande infelicidade, contudo não é perfídia nem ingratidão; mas repudiá-lo ou esquece-lo depois de o ter conhecido, é um delito tão espantoso e insano que é difícil acreditar que possa acontecer num homem. Com efeito, Cristo é o princípio e a origem de todos os bens: e como não era possível resgatar o gênero humano sem a obra benéfica dele, assim não possível conserva-lo no bem, sem o concurso da sua graça: “Pois não há, debaixo do céu, outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos” (At 4,12). Qual seja a vida humana onde falta Jesus, “poder de Deus e sabedoria de Deus”, quais sejam os costumes, a qual termo desesperado se chegue, não no-lo mostram suficientemente com seu exemplo os povos privados da luz cristã? Relembrar um pouco a imagem que Paulo traçou deles (cf. Rm 1): cegueira de intelecto, pecados contra a natureza, formas monstruosas de superstições e de libido, para que cada um se sinta logo repleto de compaixão e ao mesmo tempo de horror.

4. As coisas que aqui lembramos são conhecidas por todos, mas não por todos meditadas e consideradas. Com efeito, não seria tão grande o número dos transviados pela soberba ou dos enrijecidos pela indolência, se se cultivasse mais universalmente a memória dos benefícios divinos e se meditasse mais vezes de onde Cristo tirou o homem e até onde o levantou. A humanidade, deserdada e exilada desde longos séculos, precipitava-se, cada dias mais, na perdição, envolvida naqueles males assustadores e noutros problemas causados pelo pecado dos progenitores, e nenhum poder humano teria podido saná-los, quando apareceu o Cristo Senhor, o libertador enviado pelo céu. O próprio Deus o tinha prometido desde o princípio do mundo, como aquele que um dia teria vencido e domado a “serpente”; por isso, estavam dirigidos para sua vinda os desejos ansiosos dos séculos que se seguiram. Os vaticínios dos profetas tinham, por longo tempo e claramente, predito que estava colocada toda esperança; e até os vários acontecimentos de um povo eleito, seus empreendimentos, as instituições, as leis, as cerimônias, os sacrifícios tinham preanunciado com precisão e clareza que nele o gênero humano teria encontrado a salvação plena e inteira, nele que era predito sacerdote e ao mesmo tempo vítima expiatória, restaurador da liberdade humana, príncipe da paz, mestre de todas as gentes, fundador de um reino que nunca acabaria. Sob esses títulos, imagens e vaticínios, variados na forma, mas concordes no objeto, era designado unicamente aquele que, pela sua excessiva caridade com a qual nos amou, um dia se teria imolado pela nossa salvação. Com efeito, quando chegou o tempo preestabelecido por Deus, o unigênito Filho de Deus, feito homem satisfez, para os homens, com seu próprio sangue e de maneira superabundante, a majestade ofendida do Pai, e assim tornou sua propriedade o gênero humano resgatado a tão alto preço. “Não a preço de coisas corruptíveis, ouro ou prata, fostes resgatados; mas com o sangue precioso de Cristo, como de cordeiro imolado e sem defeito” (1Pd 1,18-19). Por isso todas as coisas foram instauradas por Deus em Cristo. “O mistério da sua vontade, segundo o desígnio que se propusera e a ser executado na plenitude dos tempos, de recapitular todas as coisas em Cristo” (Ef 1,9-10). Logo que Jesus destruiu o quirógrafo do decreto de nossa condenação, pregando-o na cruz, aplacou-se a ira divina; foram desatados os vínculos da escravidão antiga da humanidade confundida e errante, Deus foi reconciliado, restituída a graça, reaberto o ingresso à bem-aventurança eterna, conferido o direito e oferecidos os meios para consegui-la. Então, como despertado de um letargo longo e morta, o homem viu o lume da verdade desejada por tantos séculos e procurada em vão; de modo especial, conheceu ter nascido para destinos muito mais altos e muito mais dignos do que as coisas sensíveis, frágeis e caducas, às quais havia até então dirigido unicamente os seus pensamentos e seus desejos; e reconheceu que esse é o caráter constitutivo da vida humana, essa lei suprema, e que o fim para o qual tudo deve ser dirigido está nessa direção, porque saídos de Deus devemos, um dia, voltar a Deus. Estimulado por esse princípio e fundamento, reviveu a consciência da dignidade humana: os corações acolheram o sentimento da fraternidade comum, e, como conseqüência natural, deveres e direitos foram por um lado aperfeiçoados e por outro renovados, e se teve assim, ao mesmo tempo, um florescer de virtudes como nenhuma das filosofias antigas poderia ter imaginado. Por isso os pensamentos, as ações e os costumes tomaram outra direção; uma vez que foi difundido um amplo conhecimento do Redentor, uma vez que foi inserida nas veias íntimas da sociedade a virtude dele, vencedora do ignorância e dos vícios antigos, seguiu-se aquela reviravolta de coisas que deu vida à civilização cristã e transformou completamente a face da terra.

5. Na lembrança disso, veneráveis irmãos, sente-se no ânimo uma consolação imensa e ao mesmo tempo um vivo sentido de ter que agradecer com toda a alma, naquilo que nos é possível, ao Salvador divino.

6. Estamos longe das origens e dos primórdios da redenção, mas o que importa se a sua eficácia é perene e se os benefícios dela permanecem imperituros e perpétuos? Aquele que uma vez operou a salvação da natureza humana perdida pelo pecado, é o mesmo que a salva e a salvará eternamente: “Deu a si mesmo como redenção para todos” (1Tm 2,6); “Todos serão vivificados em Cristo” (1Cor 15,22); “E o seu reino nunca terá fim” (Lc 1,33). Portanto, segundo o eterno conselho de Deus, em Jesus Cristo é posta à salvação, quer dos indivíduos, quer de toda a humanidade. Aqueles que o abandonam correm, por isso mesmo, para a própria ruína com furor cego, e ao mesmo tempo, no que lhes diz respeito, fazem com que a humanidade, flagelada por assustadora tempestade, recaia naquele abismo de males e calamidades da qual o Redentor a havia tirado piedosamente.

7. Todos os que se põem fora do reto caminho vagueiam às cegas e afastam-se da meta desejada. Da mesma forma, ao se rejeitar a luz pura e sincera do verdadeiro, sucedem erros perniciosos, as trevas inevitavelmente obscurecerão a mente, e o coração entristece. Com efeito, que esperança de saúde pode haver para quem abandona o princípio e a fonte da vida? Ora, o caminho, a verdade e a vida é somente o Cristo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6); de tal forma que, abandonado o Cristo, faltarão aqueles três princípios necessários para toda salvação.

8. Talvez seja necessário demonstrar o que experiência continuamente prova, e que cada um, até quando se encontra na abundância de bens terrenos, sente profundamente dentro de si, que não há nada fora de Deus que possa absolutamente e totalmente satisfazer o desejo humano? O fim do homem é Deus e todo este tempo em que se passa na terra não é senão uma espécie de peregrinação. Mas Cristo é o nosso “caminho”, porque nesta viagem mortal tão difícil e cheia de perigos, não podemos, de nenhuma forma, chegar ao bem supremo, Deus, sem a obra e a guia de Cristo. “Ninguém vem ao Pai, senão por mim” (Jo 14,6). O que significa isso? Significa, principalmente e antes de tudo, que não se pode ir ao Pai a não ser por meio da graça de Jesus, a qual contudo permaneceria infrutuosa no homem, se se descuidasse da observância dos preceitos e das suas leis. Como era conveniente, Jesus Cristo, acabada a redenção, pôs como guarda e tutela do gênero humano a sua lei, para que, governados por ela, os homens pudessem converter-se de uma vida não boa e dirigir-se com segurança para o seu Deus. “Ide e fazei que todas as nações se tornem discípulos... ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,19-20). “Observai os meus mandamentos” (Jo 14,5). Disso se deve deduzir que, na profissão cristã, o fato fundamental e necessário é submeter-se com docilidade aos preceitos de Jesus Cristo, e a ele, como senhor e rei supremo, submeter, devotamente e em tudo, a vontade. Coisa grande esta e que exige muitas vezes sacrifícios não leves, esforço duro e constância. Pois, se bem que a natureza humana tenha sido sanada pela obra benéfica do Redentor, permanece contudo em cada um de nós alguma doença, uma enfermidade, uma tendência ao mal. Cupidezes diversas arrebatam o homem ora numa direção ora noutra, e os atrativos das coisas sensíveis facilmente dobram a vontade, e nos levam a fazer aquilo de que se gosta, e não aquilo que Cristo manda. Mas é indispensável resistir e combater com todas as forças as paixões, “em obséquio a Cristo” (2Cor 10,5); as paixões, se não obedecem à razão, tomam a primazia, e, desviando todo o homem da submissão a Cristo, torna-o seu escravo. “Os homens corrompidos de mente e na fé não se podem libertar da escravidão; e até são escravos de três paixões: a volúpia, a soberba, o pôr-se em exposição” (S. Augustinus, De Vera religione, 37). E nessa luta é preciso que cada um esteja disposto a aceitar de boa mente sofrimentos e fadigas por amor de Cristo. É difícil repelir coisas tão aliciantes e atraentes; é duro e penoso desprezar o que é considerado bem do corpo e riqueza, e fazer isso por vontade e ordem de Cristo Senhor; mas, paciência e fortaleza são absolutamente necessárias ao cristão que queira viver em conformidade com a sua profissão. Esquecemos talvez de que corpo e de que cabeça somos membros? Aquele que nos manda renegar a nós mesmos é aquele mesmo que, tendo-se proposto a alegria, suportou a cruz. E daquela disposição de ânimo, a que nos referimos, depende a dignidade mesma da natureza humana. Pois mandar a si mesmo, fazer com que a parte inferior de nós obedeça à superior, não é covardia de um ânimo fraco, mas antes, como também os sábios da antiguidade não poucas vezes entenderam, é virtude generosa, admiravelmente conforme à razão e, em sumo grau, digna do homem.

9. De resto, suportar e padecer muito é condição humana. O homem não pode destruir a vontade do seu Criador divino, o qual quis que permanecessem para sempre as conseqüências da culpa original; da mesma forma não se pode construir uma vida completamente livre de toda dor e cheia de toda felicidade. É portando razoável não esperar aqui o fim da dor, mas antes fortalecer o ânimo para suportar a dor, a qual exatamente nos ensina a esperar, com a certeza de ter os bens supremos. O Cristo, com efeito, não prometeu a bem-aventurança eterna do céu às riquezas ou à vida cômoda, nem às honras e ao poder, mas sim à paciência e às lágrimas, ao amor da justiça e à pureza do coração.

10. Daqui facilmente aparece o que se deve esperar do erro e da soberba daqueles que, desprezada a soberania do Redentor, colocam o homem acima de todas as coisas, e querem o reino absoluto e universal da natureza humana; também se na prática não possam conseguir este reino, e até nem saibam definir bem no que ele consiste. O reino de Jesus Cristo toma forma e consistência da caridade divina: o amor santo e ordenado é o fundamento e compêndio dele. Daqui necessariamente derivam os seguintes princípios: é preciso cumprir bem o próprio dever, não se deve cometer nenhuma injustiça ao próximo, é preciso estimar as coisas terrenas como inferiores às celestes, é preciso amar a Deus sobre todas as coisas. Bem diferente é aquele domínio do homem, que abertamente recusa Cristo ou que descuida conhecê-lo, funda-se sobre o egoísmo, que não conhece a caridade, nem o espírito de sacrifício. Segundo o ensinamento de Jesus é também lícito ao homem mandar, mas o deve fazer somente naquela condição possível, isto é, antes de tudo deve ele servir a Deus, e deve tomar da lei de Deus as normas e o guia da própria vida.

11. Quando dizemos lei de Cristo não queremos somente entender os preceitos naturais, ou somente os que os antigos receberam de Deus, preceitos que Jesus Cristo completou ao declará-los, interpretá-los e sancioná-los, mas entendemos também todo o resto da sua doutrina, e todas as coisas por ele instituídas expressamente. Entre elas a principal é, sem dúvida, a Igreja: com efeito, o que há entre aquilo que Cristo instituiu, que ela não abrace, que não contenha plenamente? Com certeza ele quis que, mediante o ministério da Igreja por ele mesmo tão admiravelmente constituída, fosse perpetuada a missão que o Pai havia confiado a ele. E tendo-a feita depositária de todos os meios de salvação para o homem, estabeleceu solenemente que os homens prestassem obediência a ela com a si próprio, que se deixassem sempre conduzir por ela como guia seguro. “Quem vos escuta, é a mim que escuta, quem vos despreza é a mim que despreza” (Lc 10,16). Portanto só na Igreja devemos procurar a lei de Cristo; com efeito, caminho do homem é Cristo, e igualmente o é a Igreja: ele de per si e pela própria natureza, ela pelo ofício que lhe foi confiado e pela comunicação dos poderes. Portanto, quem presumir chegar à salvação fora da Igreja anda por um caminho errado, e se esforça inutilmente.

12. E o destino dos Estados não é muito diferente daquele dos homens: também esses correm para a sua perdição se se afastam do “caminho”. O Filho de Deus, criador e redentor da natureza humana, é rei e senhor de toda a terra e tem o poder supremo sobre os homens, quer tomados singularmente, quer reunidos em sociedade civil. “Deu-lhe poder, honra e reino; e todos os povos, tribos e línguas o servirão” (Dn 7,14). “Eu fui constituído por ele rei. Eu te darei em herança as gentes, em teu domínio os últimos confins do mundo” (Sl 2,6.8). Portanto, também na convivência humana e da sociedade civil deve imperar a lei de Cristo, e de forma que não somente na vida privada, mas também na pública, ela seja guia e mestra. Ora, como este é o decreto de Deus, e ninguém pode transgredi-lo impunemente, cuida-se mal da coisa pública se as instituições cristãs não são tidas na devida conta. Afastando-se de Jesus, a razão humana fica abandonada a si mesma, privada da ajuda mais válida e da luz mais preciosa; e então com toda facilidade perde-se de vista o próprio fim estabelecido por Deus ao instituir o consórcio civil – e este fim consiste formalmente em ajudar os cidadãos a conseguir o bem-estar natural; mas de forma que se harmonize completamente com a consecução daquele bem sumo, perfeitíssimo e sempiterno, que supera todas as ordens da natureza. Perder de vista essas idéias leva para fora do caminho tanto os regedores como os súditos, por falta de um endereço e de um ponto de apoio seguros.

13. Se desviar do reto caminho é causa lastimável de desventuras, da mesma forma o é o abandono da verdade. Ora a verdade primeira, absoluta e essencial é Cristo, porque é verbo de Deus, consubstancial e coeterno ao Pai, uma única coisa com o Pai. “Eu sou o caminho e a verdade”. Portanto, se se procura a verdade, a razão humana obedeça primeiramente a Jesus Cristo e descanse segura no seu magistério, pois é a própria verdade que fala por meio da boca de Cristo.

14. São inumeráveis as matérias nas quais o engenho humano pode livremente mover-se para investigar e contemplar como num campo muito fértil e próprio; e isso não somente é consentido mas é querido expressamente pela natureza. Porém é coisa ilícita e contrária à natureza não querer manter a mente dentro dos seus confins, e, abandonada a necessária moderação, desprezar a autoridade de Cristo que ensina. Aquela doutrina da qual depende a salvação de todos nós, quase toda tirada de Deus e das coisas que especialmente dizem respeito à divindade: ela não é produto da sabedoria humana, mas o Filho de Deus a obteve e recebeu toda do seu próprio Pai: “As palavras eu me deste eu as dei a eles” (Jo 17,8). E isso, necessariamente, abrange muitas coisas, que não repugnam à razão o que não se pode dar de nenhuma forma, mas das quais não podemos atingir a profundidade com a nossa razão, assim como não podemos com ela compreender a essência divina. Mas se há tantas coisas obscuras e envolvidas no arcano pela natureza, que não podem ser explicadas pelo homem, das quais porém ninguém, são de mente, ousaria duvidar, com certeza é abuso estranho de liberdade negar a existência de outras coisas muito superiores à natureza, somente porque não é possível compreender a sua essência íntima. Recusar os dogmas é equivalente a rejeitar completamente toda a religião cristã. Ao invés, é obrigatório dobrar a mente com humildade e sem reservas “em obséquio a Cristo”, até o ponto que ela esteja submetida ao seu império divino: “Tornamos cativo todo pensamento para levá-lo a obedecer a Cristo” (2Cor 10,5). Esse é o obséquio que Cristo exige; e o exige com pleno direito; com efeito, ele é Deus e, por isso, tem poder pleno sobre a vontade do homem, como também sobre a sua inteligência. Mas submetendo a própria inteligência a Cristo senhor, o homem não age servilmente, mas, pelo contrário, de maneira convenientíssima, quer à razão, que à sua dignidade original. Com efeito, não submete a própria vontade a um homem qualquer, mas ao seu criador, senhor de todas as coisas, Deus, ao qual está submetido por lei de natureza, e não se prende às opiniões de um mestre humano, mas à verdade eterna e imutável. Dessa forma ele alcança o bem natural do intelecto e consegue ao mesmo tempo a liberdade. Com efeito, a verdade, que procede do magistério de Cristo, põe abertamente às claras a essência e o valor de todas as coisas, motivo pelo qual, se o homem prestar ouvidos à verdade conhecida, não terá que estar submetido às coisas, mas as coisas estarão submetidas a ele, nem a sua razão estará sujeita à paixão, mas a paixão será regulada pela razão, e o homem, liberto da maior escravidão do erro e do pecado, será confirmado na mais preciosa liberdade: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres” (Jo 8,32).

15. Está claro, portanto, que os que recusarem o império de Cristo, com vontade pertinaz rebelam-se a Deus. Tendo se emancipado do poder divino, nem por isso serão mais independentes, porque cairão sob algum outro poder humano, elegendo para si, como costuma acontecer, algum seu semelhante, que escutarão, ao qual obedecerão e seguirão como seu mestre. Além disso, esses, impedindo a mente de comunicar-se com as coisas divinas, restringem o campo do saber, e vêm a se encontrar menos preparados para progredir nas ciências puramente naturais, porque na natureza há também muitas coisas para cuja compreensão e clarificação muito ajuda a luz da doutrina revelada. E não raramente, como castigo da soberba deles, Deus permite que não saibam distinguir o verdadeiro, de forma que são punidos no próprio campo do seu pecado. Por ambos os motivos, muitas vezes se vêem homens de grande engenho e de erudição não comum perderem-se, até no próprio estudo da natureza, em absurdos nunca ouvidos, que não têm precedentes.

16. Seja, portanto, claro que quem faz profissão de vida cristã deve submeter total e plenamente sua inteligência à autoridade divina e se nessa submissão da razão à autoridade mortifica-se e reprime-se aquele amor próprio que é tão forte em nós, exatamente por isso, devemos deduzir a necessidade absoluta para todo cristão de mortificar não somente a vontade, mas também o intelecto. E quereríamos que se lembrassem disso aqueles que se propõem um cristianismo segundo seus gostos, governado na ordem intelectiva e na ordem prática, por leis mais suaves e mais indulgentes com a natureza humana, de forma que não lhe sejam impostas nenhuma ou poucas mortificações. Eles não entendem bastante a exigência da fé e dos preceitos cristãos: não vêem como de todo lado se nos apresenta a “cruz”, exemplo de vida e estandarte perpétuo de todos aqueles que querem ser, não somente de nome, mas na realidade e com obras, seguidores de Cristo.

17. Somente Deus é a vida. Todos os outros seres são participantes da vida, mas não são a “vida”. Porém, desde toda a eternidade, e por sua própria natureza, Cristo é a vida, da mesma forma que é verdade, porque é Deus de Deus. Dele, como de primeiro e augustíssimo princípio, fluiu no mundo toda vida e fluirá perpetuamente. Tudo o que existe, é por ele que existe; tudo o que vive, é por ele que vive, porque “todas as coisas” por meio do verbo “foram feitas, e sem ele nada foi feito do que foi feito”.

18. Isso quanto à vida natural. Mas acima lembramos uma vida muito melhor, infinitamente mais preciosa, gerada pela obra benéfica do próprio Cristo, isto é, a “vida da graça”, cujo fim beatíssimo é a “vida da glória”, para a qual devem ser dirigidos pensamentos e ações. Nisso consiste toda a força da doutrina e das leis cristãs, que “mortos ao pecado, vivamos para a justiça”, isto é, para a virtude e a santidade; e nisso consiste a vida moral dos homens, com a esperança segura da bem-aventurança eterna. Mas a justiça, verdadeira e propriamente e de maneira eficaz para a salvação, não se alimenta de nenhuma outra coisa a não ser da fé cristã: “O justo vive de fé” (Gl 3,11). “Sem a fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11,6). Eis porque Jesus Cristo autor, pai e sustento da fé, é também aquele que conserva e alimenta em nós a vida moral, e o faz sobretudo por meio do ministério da Igreja. Com efeito, a ela, com conselho benigno e providente, ensinou e confiou a administração daqueles meios que geram a vida, de que falamos, e gerada, a conservam e renovam, quando se acabar. Por isso, ao separar a moral da fé divina, é destruída na raiz a força que gera e conserva as virtudes salutares. Aqueles que querem formar os costumes na honestidade só por meio de ditames da razão, despojam o homem da sua máxima dignidade e, com sua grande perda, da vida sobrenatural o fazem regredir para a vida puramente natural. Com a reta razão o homem pôde conhecer e praticar muitos preceitos naturais, mas também, ainda que os conhecesse todos e os praticasse todos, sem nenhuma imperfeição, durante toda a vida, coisa de resto impossível sem a graça do Redentor, em vão esperaria salvar-se eternamente, se não tem a fé. “Se alguém não permanece em mim é lançado fora, como o ramo, e seca; tais ramos são recolhidos, lançados ao fogo e queimam” (Jo 15,6). “O que não crer será condenado” (Mc 16,16). Ademais, temos demasiadas provas debaixo dos olhares de qual seja o valor e quais frutos produza essa honestidade descuidada da fé. Como é que não obstante o grande empenho de estabelecer e aumentar a prosperidade pública, os Estados sofrem, cada dia mais, em pontos de importância capital e aparecem como enfermos? Afirma-se, é verdade, que a sociedade civil basta para si mesma; que é capaz de florescer egregiamente sem o concurso das instituições cristãs, e de conseguir o próprio fim com suas próprias forças. Portanto, nas ordens administrativas se quer laicizar tudo; na disciplina civil e na vida pública dos povos vêem-se desaparecer, pouco a pouco, os vestígios da religião dos pais. Mas não se reflete bastante para onde levam esses princípios, pois, afastada a idéia da soberania de Deus juiz e retribuidor do bem e do mal, é inevitável que as leis percam a sua mais válida autoridade e que venha a faltar a justiça; no entanto esses são os dois liames mais necessários e firmes da sociedade civil. Da mesma forma, extinta a esperança e a espera dos bens eternos, se acende necessariamente nos corações a sede irrefreável dos bens terrenos, e cada um procurará, com todas as suas forças, açambarcar quanto mais puder deles. Portanto, desafios, invejas, ódios; depois propósitos ruins: aspiração à abolição de todo poder, ameaça em todo lugar ruínas loucas. Não tranqüilidade fora, não segurança dentro, subvertida por delitos a convivência civil.

19. Em tão grande contraste de paixões e entre tão graves perigos, não há meio-termo: ou esperar as piores catástrofes, ou procurar sem demora um remédio válido. Reprimir os delinqüentes, enobrecer o costume das plebes, e prevenir de toda forma os males por meio de leis sábias, é coisa boa e necessária; mas não consiste somente nisso. É preciso procurar mais no alto o saneamento dos povos: é conveniente pedir socorro a uma força superior àquela humana, a qual toque diretamente as almas e, regenerando-as para a consciência do dever, as torne melhores; queremos dizer aquela mesma força que trouxe de volta para a salvação a família humana de condições bem mais desesperadas. Fazei com que no consórcio civil refloresça o espírito cristão, dai-lhes condições de se desenvolver livre de obstáculos, e o consórcio civil sairá restaurado. Cessarão as lutas de classe, e o respeito recíproco será a garantia para cada um dos próprios direitos. Se escutam o Cristo, observarão também o seu dever, quer os ricos, quer os pobres: aqueles entenderão que devem procurar a saúde na justiça e na caridade, estes na temperança e na moderação. O ordenamento da sociedade doméstica será perfeito, quando for governada pelo temor salutar de Deus, seu legislador supremo. E pelo mesmo motivo falarão alto ao coração dos povos aqueles preceitos morais, inculcados também pela natureza: respeitar os poderes legítimos, obedecer às leis, não urdir sedições nem participar de conspirações sectárias. E assim, onde reina soberana a lei de Cristo, permanece em vigor e inalterada a ordem estabelecida pela divina providência, de onde se originam incolumidade e bem-estar. É este, portanto, o grito da salvação comum: volte a universal comunidade civil, e também em particular, para onde teria sido conveniente nunca se afastar, isto é, daquele, que é caminho, verdade e vida. É preciso para integrar no seu domínio o Cristo senhor, e fazer com que aquela vida, da qual ele é fonte, volte a fluir para irrigar copiosamente e revigorar todas as partes do organismo social, o argumento das leis, as instituições nacionais, as universidades, a família e o direito matrimonial, as cortes dos grandes, as oficinas dos operários. E tenha-se bem na mente que disso depende grandemente aquela civilização das nações que se procura com tanto ardor, pois ela alimenta-se e amadurece não tanto com aquelas coisas que limitam à matéria, como as comodidades da vida e a abundância dos bens terrenos, mas antes com aquelas que são próprias da alma, os costumes louváveis e o culto da virtude.

20. Muitos estão longe de Jesus Cristo por ignorância, mais do que por má vontade; com efeito, são muitos os que se dedicam a estudar o homem e o mundo, mas pouquíssimos são os que procuram conhecer o Filho de Deus. Antes de mais nada, portanto, não se deve vencer a ignorância com o conhecimento, de forma que não se repudie nem se despreze alguém que não se conhece. Esconjuramos todos os cristãos, em qualquer lugar se encontrem, a fazer o possível para conhecer o seu Redentor, qual ele verdadeiramente é. Quando terão fixado nele com sinceridade e sem preconceitos o olhar, logo verão claro, que não pode haver nada de mais salutar do que a sua lei, nem de mais divino do que a sua doutrina. Para atingir essa finalidade será particularmente eficaz a autoridade e a vossa obra, veneráveis irmãos, assim como o zelo e a solicitude de todo o clero. Mantende como parte essencial do vosso ofício, esculpir nas mentes dos povos o verdadeiro conceito, a imagem nítida de Jesus Cristo, e fazer conhecer bem a sua caridade, os seus benefícios, os seus ensinamentos, com os escritos, com a palavra, nas escolas primárias e nas superiores, na pregação, em todo lugar em que se apresente a ocasião. Muito se falou às multidões sobre aqueles que são definidos “os direitos do homem”; fale-se-lhes também dos direitos de Deus. Que este seja o tempo propício para fazer isso, é prova o amor do bem que acordou em muitos, como dizemos, e é especialmente esta piedade para com o Redentor, que se manifestou de tantas formas: piedade que, como auspício de tempos melhores estamos para entregar em herança, se Deus quiser, ao século que está para nascer. Mas como se trata de coisas que podemos esperar somente pela graça divina, unidos no zelo comum e na oração, suplicamos a Deus onipotente queira dobrar-se à misericórdia. Não permita que pereçam aqueles que ele próprio libertou, com a efusão de seu sangue. Olhe propício para este século que, é verdade, muito pecou, mas também muito sofreu em expiação dos seus erros; e, abraçando amorosamente os homens de todas as nações e de toda raça, lembre-se da sua palavra: “E eu, quando for elevado da terra, atrairei tudo a mim” (Jo 12,32)Como auspício dos favores divinos, e como expressão da nossa benevolência paterna, concedemos, de todo o coração no Senhor, a bênção apostólica, a vós, veneráveis irmãos, ao clero e ao vosso povo.
Roma, junto a São Pedro, 1º de novembro de 1.900, XXIII ano do nosso pontificado.
LEÃO PP. XIII


segunda-feira, 17 de março de 2008

Encíclica Sapientiae Christianae

Aos amigos que combatem pela
propagação da Fé Católica:
Trecho da encíclica Sapientiae Christianae de Leão XIII, sobre os deveres fundamentais dos cidadãos cristãos.
(...)
Os fiéis devem conhecer e tutelar a doutrina

19. Em presença dessas iniqüidades, seja o primeiro dever de cada um entrar em si e aplicar-se com todo o desvelo a conservar a fé profundamente arraigada em sua alma, livrando-se de todos os perigos e nomeadamente mantendo-se armado contra falácias e sofismas. A fim de melhor manter a integridade dessa virtude, julgamos utilíssimo e em conformidade às necessidades dos nossos tempos, que cada qual, segundo seus meios e inteligência, se aplique bem ao estudo da doutrina cristã e faça que sua alma se embeba, o mais possível, das verdades da fé acessíveis à razão. E, como não basta que a fé permaneça intacta nas almas, mas que deva ir crescendo com assíduos progressos, convém reiterar a Deus muito amiúde a suplicante e humilde petição dos apóstolos: “Senhor, aumentai-nos a fé” .(Lc 17,5)
20. Nessa mesma matéria que a fé cristã respeita, há outros deveres ainda, cuja fiel e religiosa observância, se em todos os tempos muito importou para a salvação, é nos nossos dias de uma importância extrema.
21. Nesse enorme e geral delírio de opiniões que vai grassando, o cuidado de proteger a verdade e de extirpar o erro dos entendimentos é missão da Igreja e missão de todo o tempo e de todo o empenho, como que à sua tutela foram confiados a honra de Deus e a salvação dos homens. Mas quando a necessidade é tanta, já não são somente os prelados que hão de velar pela integridade da fé, uma vez que: “cada um tem obrigação de propalar a todos a sua fé, seja para instruir e animar os outros fiéis, seja para reprimir a audácia dos que não o são”. (S. Tomás, Summa theol. II-II,q.3,a.2,ad 2.) Recuar diante do inimigo, ou calar-se, quando de toda a parte se ergue tanto alarido contra a verdade, é de homem covarde ou de quem vacila no fundamento de sua crença. Qualquer dessas coisas é vergonhosa em si; é injuriosa a Deus; é incompatível com a salvação tanto dos indivíduos, como da sociedade e só é vantajosa aos inimigos da fé, porque nada tanto afoita a audácia dos maus, como a pusilanimidade dos bons.

O perigo da inércia culposa
22. E essa covardia dos cristãos merece ainda maior censura porque desfazer acusações caluniosas e refutar opiniões falsas, com pouco trabalho se conseguiria as mais das vezes e, com algum trabalho mais, se conseguiria sempre. Em último caso não há ninguém, absolutamente ninguém, que não possa fazer uso e mostra de fortaleza que tão própria é de cristãos e que só como assumir basta não raras vezes para derrotar os inimigos com todos os seus intentos. Acresce que os cristãos nasceram para o combate, e quanto mais bravo ele for, mais certa será com o auxílio de Deus a vitória: “Tende confiança, eu venci o mundo” (Jo 16,33). Não venha alguém dizer que Jesus Cristo, como conservador que é da Igreja e vingador dos seus agravos, não precisa da cooperação dos homens, pois que, não por falta de poder, mas por excesso de bondade, quer Deus que contribuamos com alguma coisa para se obterem e lograrem os frutos da salvação que sua graça nos procurou.

Obrigação universal de professar e propagar o Evangelho
23. A primeira aplicação desse dever é professar, clara e constantemente a doutrina católica e propaga-la o mais que se puder. Com efeito, como já se disse muitas vezes e com muita verdade: o que mais prejudica a doutrina de Cristo é não ser conhecida. Ela só, bem compreendida, basta para triunfar do erro, nem há aí alma simples e livre de preconceitos que a razão não mova a abraça-la. Ora a fé, ainda que como virtude é um dom precioso da divina graça e bondade; todavia, quanto ao objeto sobre que versa, não pode por via ordinária ser conhecida senão pela pregação: “Como crerão naquele que não ouviram? E como ouvirão sem pregador?... a fé é pelo ouvido, e o ouvido pela palavra de Cristo” (Rm 10,14-17). Por conseguinte, sendo necessária a fé para a salvação, segue-se que é inteiramente indispensável a pregação da palavra de Cristo. É certo que esse encargo de pregar ou de ensinar pertence por direito divino aos doutores, isto é, aos bispos que o Espírito Santo constituiu para governar a Igreja de Deus (At 20,28) e de um modo especial ao pontífice romano, vigário de Cristo, preposto com poder supremo à Igreja universal como mestre de quanto se há de crer e praticar. Mas não pense ninguém que ficou por isso proibido aos particulares cooperar com alguma diligência nesse ministério, principalmente aos homens a quem Deus concedeu dotes de inteligência juntos com o desejo de serem úteis ao próximo. Esses, em caso de necessidade, podem muito bem, não já afetar a missão de doutores, mas comunicar aos outros o que eles mesmos aprenderam, e ser em certo modo o eco dos mestres. Até mesmo essa cooperação dos particulares pareceu aos Padres do Concílio Vaticano I tão oportuna e frutuosa, que não hesitaram em reclamá-la nos termos seguintes: “ A todos os fiéis cristãos, principalmente àqueles que tem superioridade e obrigação de ensino, suplicamos pelas entranhas de Jesus Cristo, e em virtude da autoridade deste mesmo Senhor e Salvador nosso lhes ordenamos, que apliquem todo o seu zelo e trabalho em desviar esses erros e eliminá-los da luta da Igreja, e difundir a luz puríssima da nossa fé (Const. Dei Filius ad fin.).
24. Por fim lembrem-se todos que podem e devem disseminar a fé católica com a autoridade do exemplo e pregá-la com uma profissão constante.
25. Desse modo nos deveres que nos ligam com Deus e com a Igreja está em primeiro lugar o zelo que cada qual deve trabalhar segundo as suas forças em propagar a doutrina cristã e refutar os erros.
(...)

quarta-feira, 12 de março de 2008

Motu Proprio do Papa São Pio X

Doctoris Angelici
Motu proprio

PAPA SÃO PIO X

Sobre o estudo da doutrina de Santo Tomás de Aquino.

A filosofia escolástica, base dos estudos sagrados.

Nenhum católico sincero pode por em dúvida a seguinte afirmação do Doutor Angélico: Regulamentar o estudo compete, de modo particular, à autoridade da Sé Apostólica que governa a Igreja universal, e a isto provê por meio de um plano geral de estudos (1). Em várias ocasiões temos cumprido com este magno dever de Nosso ofício, principalmente quando em nossa carta Sacrorum antistitum, de 1 de setembro de 1910, nos dirigíamos a todos os Bispos e aos Superiores das Ordens Religiosas, que tem o dever de atender à educação dos seminaristas, e lhes advertíamos: «Pelo que se refere aos estudos, queremos e mandamos taxativamente que como fundamento dos estudos sagrados se ponha a filosofia escolástica... É importante notar que, ao prescrever que se siga a filosofia escolástica, Nos referimos principalmente ao que ensinou Santo Tomás de Aquino: tudo o que Nosso Predecessor decretou acerca da mesma, queremos que siga em vigor e, por se fosse necessário, o repetimos e o confirmamos, e mandamos que se observe estritamente por todos. Os Bispos deverão, no caso de que disto se houvesse descuidado nos Seminários, urgir e exigir que de agora em diante se observe. Igualmente mandamos aos Superiores das Ordens Religiosas».

Nos referimos aos princípios de Santo Tomás

Como havíamos dito que havia que seguir principalmente a filosofia de Santo Tomás, e não dissemos unicamente, alguns creram cumprir com Nosso desejo, ou ao menos creram não ir contra este desejo Nosso, ensinando a filosofia de qualquer dos Doutores escolásticos, embora sendo oposta aos princípios de Santo Tomás. Mas se equivocam plenamente. Está claro que, ao estabelecer como principal guia da filosofia escolástica a Santo Tomás, nos referimos de modo especial a seus princípios, nos que essa filosofia se apóia. Não se pode admitir a opinião de alguns já antigos, segundo ao qual é indiferente, para a verdade da Fé, o que cada qual pense sobre as coisas criadas, com tal que a idéia que se tenha de Deus seja correta, já que um conhecimento errôneo acerca da natureza das coisas leva a um falso conhecimento de Deus; por isso se devem conservar santa e invioladamente os princípios filosóficos estabelecidos por Santo Tomás, a partir dos quais se aprende a ciência das coisas criadas de maneira congruente com a Fé (2), se refutam os erros de qualquer época, se pode distinguir com certeza o que somente a Deus pertence e não se pode atribuir a nada mais (3), se ilustra com toda claridade tanto a diversidade como a analogia que existem entre Deus e suas obras. O Concílio Lateranense IV expressava assim esta diversidade e esta analogia: «enquanto mais semelhança se afirme entre o Criador e a criatura, mais se há de afirmar a dessemelhança»(4).


Estes princípios são como o fundamento de toda ciência

Pelo demais, falando em geral, estes princípios de Santo Tomás não encerram outra coisa mais que do que já haviam descoberto os mais importantes filósofos e Doutores da Igreja, meditando e argumentando sobre o conhecimento humano, sobre a natureza de Deus e das coisas, sobre a ordem moral e a consecução do fim último. Com um engenho quase angélico, desenvolveu e acrescentou toda esta quantidade de sabedoria recebida dos que lhe haviam precedido, a empregou para apresentar a doutrina sagrada à mente humana, para ilustrá-la e para dar-lhe firmeza (5); por isso, a sana razão não pode deixar de tê-la em conta, e a Religião não pode consentir que seja menosprezada. Tanto mais quanto que se a verdade católica se vê privada da valiosa ajuda que lhe prestam estes princípios, não poderá ser defendido buscando, em vão, elementos nessa outra filosofia que compartilha, ou ao menos não refuta os princípios em que se apóiam o Materialismo, o Monismo, o Panteísmo, o Socialismo e as diversas classes de Modernismo. Os pontos mais importantes da filosofia de Santo Tomás, não devem ser considerados como algo opinável, que se possa discutir, senão que são como os fundamentos nos quais se assenta toda a ciência do natural e do divino. Se forem rechaçados estes fundamentos ou se forem pervertidos, se seguirá necessariamente que aqueles que estudam as ciências sagradas nem sequer poderão captar o significado daquelas palavras que o magistério da Igreja expõe os dogmas revelados por Deus.
Por isto quisemos advertir aqueles que se dedicam a ensinar a filosofia e a sagrada teologia, que si se afastam das pegadas de Santo Tomás, principalmente em questões de metafísica, não será sem graves danos.

Este é Nosso pensamento:

Mas agora dizemos, ademais, que não só não seguem a Santo Tomás, senão que se apartam totalmente deste Santo Doutor aqueles que interpretam distorcidamente ou contradizem os mais importantes princípios e afirmações de sua filosofia. Se alguma vez Nós ou Nossos antecessores temos aprovado com particulares louvores a doutrina de um autor ou de um Santo, se ademais temos aconselhado que se divulgue e se defenda esta doutrina, é porque foi comprovado que está de acordo com os princípios de Santo Tomás ou que não os contradiz em absoluto.
Temos crido Nosso dever Apostólico expor e mandar tudo isto, para que em assunto de tanta importância, todas as pessoas que pertencem tanto ao Clero regular como secular considerem seriamente qual é Nosso pensamento e para que o ponham em prática com decisão e diligência. Porão nisto um particular empenho os professores de filosofia cristã e da sagrada teologia, que devem ter sempre presente que não será lhes dado à faculdade de ensinar para que exponham a seus alunos as opiniões pessoais que tenham acerca de sua disciplina, senão para que exponham as doutrinas plenamente aprovadas pela Igreja.
Concretamente, no que se refere à sagrada teologia, é Nosso desejo que seu estudo se leve a cabo sempre à luz da filosofia que temos citado; nos Seminários, com professores competentes, se poderão utilizar livros de autores que exponham de maneira resumida as doutrinas tomadas de Santo Tomás; estes livros, quando estão bem elaborados, resultam muito úteis.

Utilizar o texto da «Summa Theologica»

Mas quando se trata de estudar mais profundamente esta disciplina, como se deve fazer nas Universidades, nos Ateneus e em todos os Seminários e Institutos que tem a faculdade de conferir graus acadêmicos, é absolutamente necessário -segundo se tem feito sempre e nunca se deve deixar de fazer- que nas classes se expliquem com a própria Summa Theologica: os comentários deste livro farão que se compreendam com maior facilidade e que recebam melhor luz os decretos e os documentos que a Igreja docente publica. Nenhum Concílio celebrado posteriormente à santa morte deste Doutor, deixou de utilizar sua doutrina. A experiência de tantos séculos põe de manifesto a verdade do que afirmava Nosso Predecessor João XXII: «(Santo Tomás) deu mais luz à Igreja que todos os demais Doutores: com seus livros um homem aproveita mais em um ano, que com a doutrina dos outros em toda sua vida» (6). São Pio V voltou a afirmar isto mesmo ao declarar Doutor da Igreja universal à Santo Tomás no dia de sua festa: «A providência de Deus onipotente tem querido que, desde que o Doutor Angélico foi incluído no elenco dos Santos, por meio da segurança e verdade de sua doutrina se fizeram desaparecer desarticuladas e confundidas muitas das heresias que surgiram, como se tem podido comprovar já de longo tempo e, recentemente, no Concílio de Trento; por isso estabelecemos que sua memória seja venerada com maior agradecimento e piedade que até agora, pois por seus méritos a terra inteira se vê continuamente livre de erros deletérios» (7) E, por fazer referência a outros elogios, entre muitos outros, que lhe tem dedicado Nossos Predecessores, trazemos a colação com prazer as de Bento XIV, cheias de elogios para todos os escritos de Santo Tomás, particularmente para a Summa Theologica: «Muitos Romanos Pontífices, predecessores Nossos, honraram sua doutrina (a de Santo Tomás), como Nós mesmos temos feito nos diferentes livros que temos escrito, depois de estudar e assimilar com afinco a doutrina do Doutor Angélico, e sempre Nos temos aderido com prazer a ela, confessando com toda sensatez que se há algo bom nesses livros, não se deve de nenhum modo a Nós, senão que se há de atribuir ao Mestre» (8).
Assim, pois «para que a genuína e íntegra doutrina de Santo Tomás floresça na instrução, no qual teremos grande empenho» e para que desapareça «a maneira de ensinar que tem como ponto de apoio a autoridade e o capricho de cada mestre» e que, por isso mesmo, «tem um fundamento instável, que dá origem a opiniões diversas e contraditórias... não sem grave dano para a ciência cristã»
(9), queremos, mandamos e preceituamos que aqueles que consentem à instrução da sagrada teologia nas Universidades, Liceus, Colégios, Seminários, Institutos, que por indulto apostólico tenham a faculdade de conferir graus acadêmicos, utilizem como texto para suas lições a Summa Theologica de Santo Tomás, e que exponham as lições na língua latina; e deverão levar à cabo esta tarefa pondo interesse em que os ouvintes se afeiçoem à este estudo.
Isto já se faz em muitos Institutos, e é de se louvar; também foi desejo dos Fundadores das Ordens Religiosas que nas suas casas de formação assim se fizesse, com a decidida aprovação de Nossos Predecessores; e os homens santos posteriores a Santo Tomás de Aquino não tiveram outro supremo mestre na doutrina senão à Tomás. Desta forma, e não de outra, não só se conseguirá restituir à teologia sua primigenia categoria, senão que também às demais disciplinas sagradas se lhes outorgará a importância que cada uma tem e todas elas rejuvenesçam.

Medidas disciplinares

Por tudo isso, sucessivamente, não se concederá a nenhum Instituto a faculdade de conferir graus acadêmicos na sagrada teologia, se não se cumpre fielmente o que nesta carta temos prescrito. Os Institutos ou Faculdades, as Ordens e Congregações Religiosas, que já tem legitimamente esta faculdade de outorgar graus acadêmicos ou outros títulos em teologia, ainda que somente seja dentro da própria instituição, serão privados dessa faculdade ou a perderão se, no prazo de três anos, não se adaptarem escrupulosamente a estas prescrições Nossas, ainda quando não possam cumprir com isso sem nenhuma culpa por sua parte.
Estabelecemos tudo isto, sem que nada obste em contrário.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 29 de junho de 1914, ano undécimo de Nosso Pontificado.

PIO PAPA X

· (1) Opúsculo contra impugnantes Dei cultum et religionem, c. III.
· (2) Contra Gentiles, II, c. III y II..
· (3) Ibidem. c. III; y 1, 9. XII, a 4; y 9 LIV, a I.
· (4) Decretal II Damnamus ergo, etc. Cfr. Santo Tomás. Questiones disputadas "De scientia Dei", art. 11.
· (5) Boecio. De Trinitate, 9. II, art. 3.
· (6) Alocução no Consistório, 1318.
· (7) Bula Mirabilis Deus, 11/4/1557.
· (8) Actas Cop. Gen. O.P., tomo IX, p. 196..
· (9) Leão XIII, Carta Qui te, 19/6/1886..

Fonte:
http://ar.geocities.com/magisterio_iglesia/pio_10/doctoris_angelici.html
Tradução: Rodrigo Santana