Comentário de Santo Tomás de Aquino à Segunda Epístola de São Paulo aos Tessalonicenses
– Capítulo II –
O Advento da Segunda Vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e o Anticristo
Título do original latino:
Sancti Thomae Aquinatis Doctoris Angelici su per Secundam Epístolam Sancti Pauli Apostoli ad Thessalonicenses expositio
Fonte: www.clerus.org
Traduzido por Rodrigo Santana
Nota:
O presente texto que
apresentamos aos nossos leitores é parte de um belíssimo e extraordinário
comentário da Segunda Carta de São Paulo aos Tessalonicensses feito pelo mais
Doutor dos Santos e o mais Santo dos Doutores da Igreja, isto é, de Santo Tomás
de Aquino.
A
tradução para a língua portuguesa foi feita por Rodrigo Santana através de um
texto editado em castelhano pela Editorial Tradicón , S. A., Av. Sur 22 No. 14
(entre Oriente 259 y Canal de San Juan), Col Agrícola Oriental. México - Codigo
Postal 08500) de 1977. A edição em castelhano (disponível no site da
Congregação para o Clero: http://www.clerus.org) se deu através de um exemplar
em latim intitulado Sancti Thomae Aquinatis Doctoris Angelici su per
Secundam Epístolam Sancti Pauli Apostoli ad Thessalonicenses expositio editado
por Petri Marietti em 1896.
O texto
bíblico citado por Santo Tomás é o da Vulgata de São Jerônimo, infelizmente as
atuais traduções em português não são tão fiéis aos termos empregados nesta
referência católica das Escrituras, desta forma optamos por traduzir da Vulgata
os textos utilizados neste comentário, dando assim maior uniformidade e
fidelidade ao texto latino de Santo Tomás.
O que nos motiva a publicar o presente trecho do comentário
de Santo Tomás (sobre o capítulo 2 de 2 Tess) é que ele trata de um tema
ainda muito incompreendido entre nós católicos deste século: o Anticristo.
Neste trecho de seu comentário o Doutor Angélico apresenta-nos a doutrina
tradicional da Santa Igreja Católica a respeito deste tema que é de especial
interesse em nosso tempo. É mister lembrar ainda que os Pontífices Romanos não
só recomendaram-nos à doutrina do Aquinate (Santo Tomás), mas também em
diversas oportunidades confirmaram a autoridade de seus ensinamentos para toda
a Igreja Católia (alguns exemplos: Aeterni Patris de Leão XIII, Doctoris
Angelici de S. Pio X , Código de Direito Canônico de 1917, Studiorum Ducem de Pio XI, além de
outros.)
Lição 1: 2 Tessalonicensses 2,1-5
Admoestamo-los
a não apartar-se da verdade, como se o dia do juízo estivesse próximo, porque
primeiro há de dar-se a conhecer o Anticristo, que São Paulo chama o homem do
pecado.
1 Entretanto, irmãos, vos suplicamos,
pelo advento de Nosso Senhor Jesus Cristo, e de nossa união à Ele.
2 que não abandoneis rapidamente vossos
sentimentos, nem os assusteis com supostas revelações, com certos discurso, ou
com cartas que se suponham enviadas por nós, como se o dia do Senhor estivesse
muito próximo.
3
Não deixai-vos seduzir por nada e de nenhum modo, porque não virá este dia sem
que primeiro haja acontecido a apostasia geral dos fiéis, e aparecido o homem
do pecado, o filho da perdição,
4 o qual se oporá à Deus e se levantará
contra tudo o que se diz Deus, ou se adora, até chegar a por seu assento no
templo de Deus, dando-se a entender que é Deus.
5 Não vos recordais que, quando estava
entre vós, vos dizia estas coisas?
No
capítulo anterior o Apóstolo correu o véu aos acontecimentos futuros no que mostra
as penas dos maus e o prêmio dos bons; aqui
anuncia os perigos que correrá a Igreja no tempo do Anticristo; e primeiro
anuncia a verdade desses perigos futuros,
e exórta-os logo a permanecer na verdade. Quanto ao primeiro, excluída a falsidade,
os instrui na verdade. Traz-lhes também a consideração à (tripla) razão que
servirá para persuadí-los, e a que: "a não deixar-se alterar tão facilmente";
e toma do meio que pudera abordá-los. Induze-os, não com mandatos (Fil 1) senão
com seus próprios rogos: "os
suplicamos". Pelo advento de
Cristo, embora terrível para os maus (Am 5), desejável para os bons (2Tm 4; Ap
22); Pelo desejo e amor de toda a congregação dos Santos, "nele mesmo", e à saber, onde está Cristo, porque "onde está o corpo, ali se juntarão as
águias" (Mt 24). Ou nele mesmo, porque todos os Santos, em lugar e glória,
estarão no mesmo, segundo o mesmo: "junta-lhe
seus santos". Mas a que os induz? "a
que não mudeis de ligeiro vossos sentimentos". Mas uma coisa é mover-se
e outra ser presa do terror. Move-se de seu sentir quem deixa o que teve; como
se dissera: não deixes tão rapidamente minha doutrina. “Quem pronto crê é cabeça leviana” (Eclo. 19). Mas o terror é um gênero
de trepidação, como o medo do contrário. Por isso disse: "nem os aterrorizeis", como o ímpio, em cujos ouvidos "soa sempre um estrondo que lhe
aterra" (Jó 15,21). Também se houver paz, é suspeita sempre ciladas e
traições, "pois sendo como é medrosa
a maldade, traz consigo o testemunho de sua própria condenação" (Sab
17,10).
-a)"com supostas revelações". Dá
de mão ao que poderia movê-los, em especial e no geral: "que nada os seduza"; e é um seduzido ou enganado por uma
falsa revelação; donde diz: "com supostas
revelações" ou pelo espirito, isto é: se alguns disserem que o Espírito
Santo revelou-lhe algo de encontro a minha doutrina, "não os aterrorizeis"
(1Jo 4; Ez. 13). Algumas vezes também
Satanás transfigura-se em anjo de luz, como se diz em 2Co 11 e 3 Reis,22: "sairei e serei um espirito mentiroso na
boca de todos seus profetas"; b)
por um raciocínio ou falsa exposição da Escritura; por isso diz: "com certos discursos" (2Tm 2;
Ef 5); c) por uma autoridade distorcida
a um perverso sentido. "Segundo que
também nosso caríssimo irmão Paulo os escreveu conforme à sabedoria que lhe foi
dada, como o faz em todas suas cartas... nas quais há algumas coisas difíceis
de entender, cujo sentido os indoutos e inconstantes pervertem, da mesma maneira
que nas demais escrituras de que abusam, para sua propria perdição" (2
Pedro,3,16). Mas sobre o que versava o engano?: "como se o dia do Senhor
estivesse já muito próximo". E adiciona: "ou com cartas que se supunham enviadas por nós"; porque na
Primera Carta, se mal se entende, parece dizer que a vinda do Senhor está já à
porta, como aquilo: "logo nós os que
vivemos... "
Diz
o mesmo no geral: "que nada os engane
de nenhum modo" (Lc 21; 1Co 15). A razão pela qual o Apóstolo tira do
meio estas “pedras de tropeço”, é
porque o prelado por nenhum motivo há de querer que valendo-se de mentiras se
consigam alguns bens.
"A mais disso, somos convencidos de
testemunhos falsos" (1Co 15,15).
Assim mesmo porque a coisa crida era perigosa: que se aproximava a chegada do
Senhor. Primeiro, porque se daria ocasião a maior engano, já que haveriam
alguns, depois de mortos os Apóstolos, que diriam serem eles o Cristo (Lc 21).
Por isso o Apóstolo não quis que houvesse lugar a dúvidas. Também porque o demônio
pretende com frequência fazer-se passar por Cristo, como consta na Vida de São
Martinho; e não quis que os Tessalonicenses passasem pelo mesmo. Santo Agostinho
põe outra razão: porque correria perigo a fé; pois algum diria: tardará em vir o
Senhor, e então me prepararei para recebê-lo. Outro: logo virá, agora vou-me
preparar. Outro, enfim: não sei; e este está mais no justo, porque concorda com
o que diz Cristo.
Mas o que vai mais errado é o que diz: logo,
porque, passado o fim da pregação, os homens entrariam em desespero e creriam que
fosse falso o que estava escrito.
Estabelece
logo a verdade, ao dizer: "porque não virá este dia sem que primeiro haja
acontecido a apostasia"; e mostra primeiro o que acontecerá à vinda
Anticristo, que são duas coisas: uma anterior à sua vinda; outra, a sua mesma vinda.
Primeiro está a apostasia, que a
Glosa explica de muitas maneiras, e
primeiro da fé, que, segundo estava anunciado (Mt 24), todo o mundo a receberia.
Esta é, pois o sinal precursor, que -segundo Santo Agostinho- ainda não se cumpre;
depois dela haverá muitos apóstatas (1Tm 4) "e pela inundação dos vícios
se resfriará a caridade de muitos" (Mt 24,12).
Ou
entenda-se a apostasia ou separação do Império Romano, ao que todo o mundo
estava submetido. Segundo Santo Agostinho, figura sua era a estátua de Daniel,
em cujo capítulo dois se nomeiam quatro reinos, os quais terminariam no
acontecimento da vinda de Cristo; e que isto era um sinal a propósito, porque a
firmeza e estabilidade do Império Romano estava ordenada a que, debaixo de sua
sombra e senhorio se ensinasse por todo o mundo a fé cristã. Mas como pode ser isto,
sendo já passados muitos séculos desde que os Gentios se apartaram do Império
Romano e, isso não obstante, não havia vindo ainda o Anticristo? Digamos que o Império Romano ainda segue em
pé, mas mudada sua condição de temporal em espiritual, como disse o Papa São Leão
em um sermão sobre os Apóstolos. Por conseguinte, a separação do Império
Romano há de entender-se, não só na ordem temporal, senão também na espiritual,
e, a saber, da fé católica da Igreja
Romana. E isto é um sinal muito a
propósito, porque, assim como Cristo veio quando o Império Romano senhoreava
sobre todas as nações, assim pelo contrário o sinal do Anticristo é a separação
dele ou apostasia.
Prediz
em segundo lugar ao Anticristo, quanto a sua culpa e pena, que toca
implícitamente e em comum, e seguidamente explica, e quanto ao seu poder. Disse
pois: primeiro virá a apostasia e então se deixará ver. E chama-se "o homem do pecado, o filho da perdição",
segundo a Glosa, porque assim como em Cristo abundou a plenitude da virtude, assim
também no Anticristo a multidão de todos os pecados; e assim como Cristo é melhor
que todos os santos, assim o Anticristo pior que todos os maus. Por isto se chama
o homem do pecado, porque ele todo, dos pés a cabeça, será um puro pecado. Mas isto
não quer dizer que não pudesse ser pior, porque o mal jamais corrompe
totalmente o bem, conquanto ao ato não poderá ser pior; contudo melhor que
Cristo nenhum homem. Disse-se "o
filho da perdição", isto é, destinado à perdição final (Jó 21). O filho
da perdição, isto é, do diabo, não por natureza, senão pela malícia acabada,
que nele se acumulará. E disse: "se fará
manifesto"; porque assim como todos os bens e virtudes dos santos, que
precederam à Cristo, foram figura de Cristo; da mesma maneira em todas as perseguições
da Igreja os tiranos foram como figura do Anticristo no que ele estava latente;
e assim toda aquela malícia, que estava escondida neles, se fará patente a seu
tempo.
Ao
dizer logo: "no qual se oporá à Deus",
explica o que havia dito , e demonstra como é o homem do pecado e como é filho da
perdição. Assim mesmo prenuncia sua futura culpa, que descreve e demonstra e indica
sua causa, e diz que não anuncia nenhuma doutrina nova. Da também um sinal dessa
culpa, que é duplo, a saber, a oposição
contra Deus e o preferir-se a Cristo. De onde diz: "que faz oposição" a todos os espíritos bons (Jó 15; Is
3) e "se levantará contra tudo o que
se diz Deus". E diz-se Deus de três maneiras: a) por natureza. "Escuta, Israel, o Senhor teu Deus é um
só Deus" (Deut. 6); b) na opinião dos povos. "Todos os deuses dos Gentios são demônios" (Sl. 95). c)
por participação. "Eu disse: sois
deuses " (Sl. 81). E a todos estes prefere-se o Anticristo, "e se levantará soberbo e insolente contra todos os deuses; e falará
com arrogância contra o Deus dos Deuses" (Dan. 11,36).
(nt. do tradutor: quanto à
relação a não anunciar nenhuma doutrina nova, Santo Tomás está se referindo ao
Apóstolo São Paulo e não ao Anticristo. Como pode se notar no último parágrafo
desta parte da tradução *)
Sinal
de sua culpa é o que diz: "até chegar
a por seu assento no templo de Deus"; pois a soberba do Anticristo avantaja
em muito a de todos os que lhe precederam. Porque assim como se lê de Caio
César que quis em vida pusessem em todos os templos uma estátua sua e lhe dessem
culto; e do rei de Tiro se diz em Ezequiel 28: "eu sou Deus"; assim é crível o faça o Anticristo chamando-se
Deus e homem; e na prova disso se sentará no templo. Mas em que templo?
Acaso
não foi destruído pelos Romanos? Por isso dizem alguns que o Anticristo é da
tribo de Dan, que não se nomeia entre as outras doze (Ap 7); e por isso também os
Judeus o receberam primeiro, e reedificaram o templo em Jerusalém, e assim se
cumprirá o de Daniel 9,27: "e estará no templo a abominação da desolação"
(Mt 24). Mas alguns dizem que nunca será reedificada Jerusalém, nem o templo, senão
que durará a desolação até a consumação no fim do mundo. Crença que admitem
também alguns Judeus; por isso a explicação que dão de "no templo de Deus" a referem à Igreja, porque muitos
eclesiásticos o receberão. Ou, segundo
Santo Agostinho, se sentará no templo de Deus, isto é, exercerá seu principado e
senhorio, como se fosse ele mesmo com os seus o templo de Deus, como Cristo o é
com os seus.
Mostra
que nada novo escreve, ao dizer: "não vos recordais que, quando estava
todavia entre vós, vos dizia estas coisas?"; como se dissera: já antes,
estando convosco, havia vos dito (1Jo 2; 2Co 10).*
Lição 2: 2 Tessalonicensses 2,6-9
Põe-se
de manifesto a morte do Anticristo, e declara-se a demora de sua vinda.
6 Vós já sabeis a causa que agora o
detém, até que seja manifestado a seu tempo.
7 O fato é que já vai obrando o mistério da iniquidade; entretanto, o que está firme agora mantenha-se até que seja tirado o impedimento
7 O fato é que já vai obrando o mistério da iniquidade; entretanto, o que está firme agora mantenha-se até que seja tirado o impedimento
8 E então se deixará ver aquele
perverso, a quem o Senhor Jesus matará com o alento de sua boca e destruirá com
o resplendor de sua presença
9 aquele iníquo que virá com o poder de
Satanás, com toda sorte de milagres, de sinais e falsos prodígios,
10 e com todas as ilusões que podem
conduzir à iniquidade àqueles que se perderam, por não haver recebido e amado a
verdade a fim de salvarem-se.
Chega
o Apóstolo, anunciando o futuro, contou a chegada e culpa do Anticristo; aqui nos
mostra a causa que impede essa vinda; e primero descobre que eles já sabem a que
causa se refere, e a propõe em termos obscuros. Assim pois: digo que é necessário
se dê a conhecer o homem do pecado. "Já
sabeis vós a causa que agora o detém", isto é, a causa de que se tarda,
porque eu já lhes disse, de sorte que o que ao presente lhe detém, "a seu tempo", isto é,
oportunamente, "se dará a conhecer"
(Ecle.8).
-"O fato é que já vai obrando ou tomando
forma o mistério da iniquidade". Explica por que se demora o
Anticristo; e este texto tem muitas interpretações, porque mistério pode
estar em nominativo ou acusativo. No primeiro caso o sentido é este: digo que a seu tempo se dará a conhecer,
porque ainda o mistério, isto é, - figuradamente ocultado (enigmáticamente proposto),
já está obrando nos fingidos (cristãos),
que parecem bons, e na realidade são maus, e estão fazendo o ofício do
Anticristo, "mostrando, sim, aparência
de piedade, mas renunciando ao seu espírito" (2Tm 3,5). No segundo caso, ou no acusativo, se interpreta assim: porque o
diabo, em cujo poder permanecerá o Anticristo, já começou ocultamente, por meio
dos tiranos e enganadores, a cometer
suas iniquidades; porque as perseguições à Igreja deste tempo são figuras dessa
última perseguição contra todos os bons e, em comparação com aquela, são como a
cópia respectiva da original. "Entretanto
o que está firme agora". Isto também tem múltipla explicação. Uma
- segundo Santo Agostinho e a Glosa-
diz que, na opinião de alguns, o Anticristo é Nero, o primeiro perseguidor dos
cristãos, que não foi morto, senão roubado fraudulentamente, e que algum dia
será restituído em seu lugar. Donde o Apóstolo, dando por vã esta opinião, diz: "entretanto
o que está firme agora", tendo em suas mãos o Império, "mantenha-se, até que seja tirado o impedimento",
isto é, até que morra. Mas explicado desta maneira não cai bem,
porque há muitos anos que Nero está morto, à saber, o mesmo ano que o Apóstolo.
Refere-se melhor a Nero, como pessoa
pública do Império Romano, até que seja tirado do meio, isto é, o Império
Romano, deste mundo (Is 23,9: foi o
Senhor dos Exércitos que o decidiu, para fazer murchar o orgulho de tudo que se
honra).
Ou
de outro modo: "entretanto o que tem",
isto é, detem agora a chegada do Anticristo, detenha-o para que não venha; qual
se fosse necessário que alguns venham todavía à fé e alguns se apartem dela,
como se dissera: para deixar franquia à porta a ires e vires, entradas e saídas,
o que agora detém até que venha detenha até que seja tirado do meio este homem
obsceno. Ou também assim: entretanto o que tem agora fé tenha-a, isto é, mantenha-se
firme nela (Ap 2). Até que seja tirado do meio, isto é, a reunião revoltosa de
maus, se separe dos bons e se ponha aparte, como se fará na perseguição do
Anticristo. Ou entretanto... isto é,
que o mistério de iniquidade, a iniquidade misteriosa, que detém, detenha, até
que a removam de seu esconderijo ao centro da praça, à vista do público; pois
muitos pecam agora às ocultas, mas chegará o dia no qual farão à luz do dia; porque Deus suporta os pecadores enquanto às
ocultas cometem seus pecados; mas o dia em que encontrarem o limite, então se lhe
acabará a paciência, como sucedeu com os Sodomitas. Com tudo isso, Santo Agostinho
confessa ignorar o que é o que o Apóstolo lhes diz, se já o sabiam; por isso diz:
"já sabéis o que agora detém".
Ademais não era coisa muito necessária de saber-se.
Ao
dizer logo: "e então se deixará
ver", põe-se a chegada do iníquo e sua pena; primero sua manifestação,
logo sua pena. Quanto ao primeiro diz: aquele, o único, iníquo, perverso, se deixará
ver, porque sua culpa se fará patente, "a quem o Senhor Jesus matará com o
alento de sua boca". - "O zelo do
Senhor dos exércitos é o que fará estas coisas" (Is 9,7), isto é, o zelo
da justiça, que é amor; porque o espírito de Cristo é o amor de Cristo, e este zelo
é o que o Espírito Santo tem para com a Igreja. Ou com o alento de sua boca, isto
é, por ordem dela; porque São Miguel lhe dará morte no Monte das Oliveiras, de onde
Cristo subiu aos céus. De sorte parecida encontrou seu fim Juliano o Apóstata,
executado por mão divina. E esta é a pena presente, embora também será
castigado com a eterna, porque "o
destruirá com o resplendor de sua presença", isto é, com sua chegada
que tudo o porá como um sol (1Co 4). E o destruirá, digo, com a eterna condenação
(Sl. 27). Diz também resplendor, porque o
Anticristo pareceu encher de trevas a Igreja, e as trevas são desterradas pelos
resplendores; porque tudo o que o Anticristo dará a conhecer será demonstrado haver
sido engano. (Et dicit, illustratione, quia ipse visus est
Ecclesiam obtenebrare, et tenebrae expelluntur illustratione, quia quicquid
Antichristus ostenderit, ostendetur fuisse mendacium.) trad. mendacium = mentira, invenção, disfarce.
No latim: (Et haec est poena
praesens, licet futura etiam aeternaliter punietur, quia destruet
illustratione, etc., id est, in adventu suo omnia illustrante. I Cor. IV,
5: illuminabit abscondita tenebrarum, et cetera. Et destruet, inquam,
aeterna, scilicet damnatione. Ps. XXVII, v. 5: destruet illos, et cetera.
Et dicit, illustratione, quia ipse visus est
Ecclesiam obtenebrare, et tenebrae expelluntur illustratione, quia quicquid
Antichristus ostenderit, ostendetur fuisse mendacium. Deinde cum dicit eum
cuius est adventus, praedicit potestatem Antichristi. Et circa hoc duo
facit, quia primo ponit potestatem eius ad seducendum; secundo huius causam ex
domini iustitia, ibi eo quod charitatem. Iterum prima in tres, quia
primo ponit actorem huius potestatis; secundo modum seducendi; tertio ostendit
seducendos. Actor huius potestatis est Diabolus, et ideo destruet eum Christus)
-"aquele iníquo que virá com o
poder de Satanás". Prediz o
poder do Anticristo, para seduzir, e a causa deste poder de sedução, a justiça
do Senhor, "por não haver recebido e
amado a verdade para salvar-se os que pereceram". Põe também ao autor
deste poder, o modo de seduzir, os seduzidos ou enganados. O autor deste poder é
o diabo; por isso Cristo o destruirá,
que para isso veio, "para desfazer
as obras do diabo" (1Jo 3,8). Por isso diz que o Anticristo "virá com o poder de Satanás",
isto é, governará por instigação diabólica. "Será
solto Satanás de sua prisão, e sairá e enganará as nações" (Ap 20,7). Pois
das obras que fará algumas serão segundo a operação de Satanás, como as do
endemoninhado ou possuído, em quem não só instiga a vontade senão ainda impede o
uso da razão; em cujo caso não se lhe imputa a culpa, porque não usa de seu arbítrio.
Mas o Anticristo não será assim, porque
usará de seu arbítrio, e dentro dele estará o diabo instigando-lhe, como se disse
de Judas (Jo 13,27).
E
enganará desta maneira: primeiro valendo-se
do poder secular; segundo, da força dos
milagres. Quanto ao primeiro diz: "com
toda sorte de milagres", a saber, do mundo. "Se fará dono dos tesouros de ouro e de prata e de todas as
preciosidades de Egito" (Dan. 11,43). Ou com virtude fingida. Quanto ao
segundo diz: "de sinais". Os sinais são uma espécie de "milagretes".*
Os prodígios, entretanto são grandes, que demonstram que uma pessoa é um ser
prodigioso, como quem diz à distância: distante, em dígitos: do dedo (Ap 13). E
diz: "falsos prodígios". Chama-se
falso um milagre, ou porque lhe falta a verdadeira razão do fato, ou a verdadeira
razão do milagre, ou o devido fim do milagre. O primeiro é o que fazem os ilusionistas, melhor dito, o que se faz
por arte de magia e bruxaria, quando o diabo se encarrega de dar “gato por lebre” para que pareça outra
coisa do que é; como fez Simão Mago com um carneiro que mandou degolar, que logo
se deixou ver vivo; ou com um homem, que todos criam degolado e, por haver-lhe
visto logo vivo, creram-lhe ressuscitado. E isto fazem os homens fazendo
fantasmas na imaginação para enganar.
*No latim: Prodigia vero magna, quae aliquem
prodigiosum ostendunt, quasi procul a digito.(como se medisse a dedo) Ap. XIII, 13: fecit
signa magna, ita ut et ignem faceret descendere de caelo, et cetera. Matth.
XXIV, 24: dabunt signa magna et prodigia, ita ut in errorem inducantur, si
fieri potest, etiam electi.
Procul (latim): à distância , ao longe, de longe
A segunda espécie de milagres, impropriamente chamados assim, são os que despertam grande
admiração, por ver-se o efeito, sem conhecer-se sua causa. Assim pois "os milagres", que tem não
simplesmente sua causa oculta, senão para algum oculta, dizem-se não simplesmente
milagres, senão maravilhas. Mas os que tem simplesmente sua causa oculta são
propriamente milagres, cujo autor é o mesmo glorioso Deus, porque estão acima
de toda a ordem da natureza criada. Mas algumas vezes se fazem algumas maravilhas,
cujas causas estão ocultas, mas não fora da ordem da natureza; e isto com mais
razão o fazem os demônios, que conhecem as virtudes da natureza e tem
determinada eficácia para especiais efeitos; e estas fará o Anticristo, mas não
as que tem verdadeira razão de milagre, porque não tem poder naquilo que está
sobre a natureza.
Dizem-se milagres em terceiro lugar os que estão ordenados a servir de testemunho à
verdade da fé, ou a subtrair os fiéis a Deus, como se diz em São Marcos. Mas se
algum tivesse a graça de fazer milagres, e não se valesse deles para este fim, os
milagres seriam verdadeiros quanto à razão do fato e à razão do milagre; mas
seriam falsos quanto ao devido fim e à intenção divina.
Mas isto não sucederá com o Anticristo, porque ninguém faz verdadeiros milagres contra a fé, já que Deus não é testemunha de falsidades. Donde um que ensine uma falsa doutrina não pode fazer milagres, embora um homem de má vida bem o poderia.
Logo
sinala aos que se deixaram enganar, ao dizer: "àqueles que se perderam", isto é, aos destinados à perdição.
"Nenhum deles tem perecido senão o
filho da perdição". E isto precisamente porque "minhas ovelhas ouvem minha voz" (Jo 10).
Lição 3: 2 Tessalonicensses 2,10-16
O Anticristo seduzirá aos que
não tem caridade; por isso há que pedir à Deus que se digne chamar-nos e não
permita que nos apartemos da verdade.
11 Por isso Deus lhes enviará ou
permitirá que obre neles o artifício do erro, com que creiam na mentira,
12 para que sejam condenados todos os
que não creram na verdade, mas que se comprazeram na maldade
13 Mas nós devemos sempre dar graças à
Deus por vós, irmãos amados de Deus, por Deus havê-los escolhido por primícias
de salvação, mediante a santificação do espírito e a verdadeira fé que lhes foi
dada;
14 na qual os chamou assim mesmo por
meio de nosso Evangelho, para fazê-los chegar a glória de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
15 Que assim, meus irmãos, ficai firmes
e mantenham as tradições que haveis recebido, ora por meio da pregação, ora por
carta nossa.
16 E Nosso Senhor Jesus Cristo, e Deus,
nosso Pai, que nos amou, e deu eterno consolo, e boa esperança pela graça,
17 alente vossos corações e os confirme
em toda obra e palavra boa.
Depois de indicar a quem seduzirá o
Anticristo, à saber, os destinados à
condenação, aqui explica o porque do dito e como serão seduzidos; os fiéis, pelo
contrário, como serão livrados. Assim mesmo indica só sua culpa, a pena com a
culpa, só a pena. E este é o passo-a-passo com que procede o pecado: que primeiro
é um desamparado da graça pelo demérito do primeiro pecado, e cai em outro
pecado (porque um abismo chama a outro abismo), e por último na condenação
eterna. Disse pois que a causa pela qual
serão enganados é o não haver recebido e amado a verdade, isto é, a verdade do Evangelho
(Jo 8; Jó 24); e diz: "caridade da
verdade", porque, ao não estar informada a fé pela caridade, não tem nenhum
valor (1Co 13; Gal. 6). E acrescenta o proveito que trai a verdade dizendo: "a fim de salvar-se" (Rm 5). Mas, por culpa de não haver recebido a
verdade, a pena será seu engano; de donde diz: "enviará", isto é, permitirá que obre neles "o artifício do erro" (Is 19;
3 Reis 22). Por isso diz: "com
que creiam na mentira", isto é, na
falsa doutrina do Anticristo (Rm 1). Mas a pena é a eterna condenação; donde
acrescenta: "para que sejam
condenados", com sentença de condenação (Jo 5), "todos os que não creram na verdade" (Jo 3).
Ao
dizer logo: "mas nós",
mostra porque os fiéis de Cristo se verão livres; da graças por eles e relembra
a memória dos benefícios divinos, pelos quais se veêm livres desses males. Diz
pois assim: eles serão enganados, mas "nós
devemos dar graças" (Rm 1). E recorda dois benefícios divinos, à
saber, a eleição de Deus, que é eterna, e a vocação, que é temporal. Disse
pois: "porque nos elegeu" a
nós, os Apóstolos, "e a vós",
os fiéis (Ef 1; Jo 15). Toca em três pontos na matéria da eleição, à saber, na
ordem dos eleitos, no fim da eleição e no meio de conseguir o fim. Todos os
santos tem sido eleitos desde o princípio do mundo (Deut. 33); mas as primícias
de modo especial são os Apóstolos (Rm 8). Por isso diz: "primícias da fé". Assim mesmo o fim da eleição é a salvação
eterna, como diz: "para a salvação"
(1Tm 2). E isto se leva à efeito primeiro, da parte de Deus, por meio da graça
santificante; donde diz: "mediante a
santificação do espírito"; segundo, da parte nossa, com o
consentimento de nossa vontade por meio da fé; por isso acrescenta: "e na verdade da fé ".
-"à qual os chamou". Põe o
segundo benefício, que é a vocação temporal de Cristo, que segue-se à eleição
(Rm 8). E sobre esta vocação repara na parábola do que fez a grande ceia (Lc
14) "por meio de nosso Evangelho"
pregado por mim. Mas a qual ceia nos convida? "para fazer-nos chegar a glória", isto é, para que
alcancemos a glória de Cristo.
Logo,
quando diz: "assim que, meu irmãos",
os admoestam a manterem-se firmes na verdade e interpõe a oração para este fim.
E faz o primeiro, porque nuestras obras dependem de nossa vontade, e o segundo,
porque é necessário o auxílio da graça.
E
primeiro admoesta-os a estarem firmes (Gl 5); ensina logo o modo de está-lo: "e mantenham as tradições", isto
é, os ensinamentos que receberam de seus maiores; porque os que se recebem dos
menores algumas vezes não tem de ser observados, à saber, quando se opõe aos ensinamentos
da fé (Mt 15); mas sim quando dizem respeito aos mandamentos divinos, "que haveis aprendido". "Recomendavam aos fiéis a observância das
tradições e decretos acordados pelos Apóstolos e os presbíteros que residiam em
Jerusalém" (At 16,4). E estas tradições de duas maneiras lhes deram à
conhecer: umas com palavras; donde diz: "ora
por meio da pregação"; outras por escritos; por isso acrescenta: "ora por carta nossa". Donde
se põe de manifesto que haviam muitas coisas na Igreja não escritas, que os
Apóstolos ensinaram e, por conseguinte, hão que se observar; pois muitas coisas
- disse Dionísio -, a juízo dos Apóstolos, eram melhor ocultá-las. Por isso disse
o Apóstolo: "quanto ao mais já o
disporei quando lá chegar" (1Co 10). - "E Nosso Senhor Jesus Cristo e Deus nosso Pai ...": Pondo
esta frase, como se dissesse: estas são minhas recomendações, mas de nada serve
sem o auxílio divino. Por isso põe primeiro um duplo benefício de Deus: o amor
que nos tem e pelo qual nos concede outras coisas; por isso diz: "nos amou"; e a consolação
espiritual: "e deu eterno consolo"
(2Co 1; Is 40). E diz consolo eterno, à saber, contra todos os males iminentes e
futuros. Por isso estamos na expectação de "uma
boa esperança", isto é, desses bens eternos que infalivelmente nos estão
prometidos (1Pe. 1). E isto "pela
graça", pela qual esperamos conseguir a vida eterna (Rm 6). Pede para
eles uma exortação, que é uma admoestação encaminhada a mover o ânimo a que queiram;
e esta pode fazê-la o homem exteriormente; mas não seria eficaz, se
interiormente não o alentasse o espírito de Deus; donde disse: "alente vossos corações", isto
é, o mova. "Eu a levarei à solidão e
falar-lhe-ei ao coração" (Os 2). Assim mesmo pede a confirmação; por isso
diz: "e os confirme" (Sl.
67); como se dissesse: nos alente com sua graça para que queiramos, e nos
confirme para que eficazmente queiramos. E isto "em toda obra e palavra boa". A obra leva a dianteira da
palavra, porque Jesús começou primeiro a obrar e depois ensinou.
Caminho para acesso do comentário em Clerus.org:
Segue-se:
1)Biblia Clerus;
2) Texto Biblico (investiga un texto bíblico y su comentario)
- en espanhol;
3) Comentarios (na barra lateral esquerda – abaixo do
título: Parágrafo
citado en estos instrumentos biblicos);
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